Seis meses depois, concursos para a produção de cinema e audiovisual independente abrem quinta-feira

Barreto Xavier e ICA congratulam-se por aumento de 50% para 14,9 milhões de euros em comparação com 2011, mas agentes do sector lamentam perda de apoios complementares e limites à produção

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JOÃO HENRIQUES

Os concursos de apoio público à produção cinematográfica e, também agora, à produção audiovisual independente abrem quinta-feira com o valor já anunciado de 14,9 milhões de euros. Há novos programas, mas também desaparecem os apoios complementares, destinados a realizadores já estabelecidos, o que levanta críticas no sector e mexe com as contas da tutela: se por um lado aumentam os montantes globais para financiamento e se acredita que este ano se possam produzir mais filmes, por outro os agentes do terreno estimam que só se farão seis longas-metragens de ficção e que se perdem duas obras de consagrados.

Numa conferência de imprensa na tarde desta quarta-feira, o secretário de Estado da Cultura e a presidente do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) apresentaram o resultado do novo modelo de financiamento do sector plasmado na nova Lei do Cinema, frisando Jorge Barreto Xavier que, em relação a 2011, “o aumento do financiamento é de quase mais 50%” este ano. Seis meses depois do prazo legal, muito pelo impasse quanto ao pagamento da taxa anual pelos operadores de TV por subscrição que serve de base ao financiamento público do sector, abrem agora 25 concursos, no valor de 14,7 milhões de euros (a que acrescem novamente 300 mil dólares do protocolo luso-brasileiro para co-produções). São seis programas, entre os quais o novo apoio ao audiovisual e multimédia (2,9 milhões de euros) em que se inclui a inovação, produção, escrita e desenvolvimento de séries ou programas de animação, ficção ou documentário ou telefilmes à qual podem concorrer produtores que apresentem um pacote de no mínimo três projectos de autores distintos.

O objectivo é estimular a “colaboração entre a produção audiovisual independente e o meio das televisões”, para “garantir maior diversificação na produção audiovisual e na programação televisiva”, disse o secretário de Estado. Na lista dos seis programas, o valor atribuído ao audiovisual só é suplantado pelo apoio ao cinema - 9,2 milhões, mas a que acrescem apoios à internacionalização de 430 mil euros e de exibição em festivais e circuitos alternativos, como os cineclubes, de 900 mil euros, além dos apoios a novos talentos e primeiras obras de longa-metragem (um milhão) para um total de 11,6 milhões de euros. Mas contabilizando as parcelas para o cinema no ano de 2013 e as de 2014 e extraindo o valor dos apoios complementares que foram eliminados em 2014, houve um aumento de apenas 300 mil euros (10,1 milhões de euros de verbas públicas para 10,4 milhões este ano).

Há ainda como novidades um milhão de euros para as longas-metragens de animação, 180 mil euros para a formação de públicos nas escolas e o programa de finalização de produções de cinema (400 mil euros para curtas e longas), sendo que áreas como os apoios automáticos, o documentário, a primeira longa de ficção ou a distribuição tiveram reforços que vão dos cem mil aos 200 mil euros. Porém, para o distribuidor e produtor Pedro Borges, as contas fazem-se sem perder de vista o chamado ano zero do cinema português (2012, em que não abriram os concursos, “um ‘roubo’ de dez milhões de euros”) e o que considera ser o esvaziamento da Lei do Cinema. E resume os concursos de 2014: “Estamos basicamente no mesmo sítio: se descontarmos os apoios ao audiovisual e à animação, o cinema em Portugal vai funcionar exactamente com os mesmos montantes com que funciona há mais de uma década. Sendo que não serão apoiadas senão seis novas longas-metragens e que os sectores mais sensíveis, e onde se vive uma situação de catástrofe, continuarão com apoios absolutamente irrisórios - os cineclubes, a distribuição, a exibição, a promoção internacional”.

Pandora Cunha Telles, presidente da Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual, saúda a chegada a “um patamar europeu em que existem apoios para o audiovisual”, a “grande evolução” que são os concursos para desenvolvimento e de finalização, mas diz-se surpreendida pela eliminação dos apoios complementares – os júris para estes concursos foram votados e a sua não realização foi decidida sem ouvir os agentes. “Perder duas obras por ano não é uma vantagem. Entristece-me muito que vamos diminuir o número de obras financiadas”. Em causa está a eliminação de 1,2 milhões de euros a que se podiam candidatar realizadores com oito filmes já concretizados, uma categoria em que caem nomes como Manoel de Oliveira, Luís Filipe Rocha, José Fonseca e Costa ou António-Pedro Vasconcelos.

Barreto Xavier justifica essa eliminação com os “sucessivos atrasos por parte do Estado no pagamento às longas-metragens” que se acumulam desde 2010 e que terão deixado 18 filmes ainda em fase de finalização, a que se somam “mais nove co-produções”, segundo Filomena Serras Pereira, e “portanto dado o montante de compromissos anteriores achou-se por bem este ano não abrir”. Para António Pedro Vasconcelos, da direcção da Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisual, e que admite ser “parte interessada, é completamente absurdo” suspender os apoios complementares - “é importante haver um equilíbrio entre os realizadores consagrados e os jovens realizadores”, disse ao PÚBLICO, reiterando ser “contra esta lei [do cinema] e este sistema de concursos”.

Filomena Serras Pereira, que em Janeiro tomou posse no ICA, acredita que em 2014 “o número de obras vai ser superior” em termos de produções financiadas, revelando: em 2013 foram assinados “apenas 36 contratos [com produtores] e este ano no primeiro trimestre já assinámos 62”. O financiamento do sector em 2014 deve contar também pela primeira vez com as obrigações de investimento directo dos canais generalistas (RTP, SIC, TVI), dos canais premium, distribuidores, exibidores e produtores, que Barreto Xavier disse há um mês ascenderem a 17,9 milhões de euros – Filomena Serras Pereira estima que os valores em causa deverão rondar os oito milhões da estação pública, e entre 700 e 800 mil euros de cada uma das privadas (que contestaram já esta obrigação), investimentos que legalmente terão de ser feitos durante este ano. O secretário de Estado deixou ainda um recado na esteira da constatação de que Portugal tem das mais baixas quotas de espectadores para o seu próprio cinema – “os sectores criativos que não chegam às pessoas não são efectivamente sectores criativos. Não há obra de arte que valha a não ser na sua relação com as audiências”.

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