É possível ser uma versão século XXI da Garota de Ipanema – é só comprá-la

Ao mesmo tempo que quer ser o centro da moda e do lifestyle de praia, o Rio de Janeiro luta contra os estereótipos da sua identidade no Fashion Rio.

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O Rio de Janeiro pode ser demasiado fotogénico para o seu próprio bem. Quando descemos a colina de Santa Teresa um cartaz de um artista avisa: “Duvide do óbvio”. E essa é a mensagem do momento no 25.º Fashion Rio, em vésperas de Mundial de Futebol e em pleno deslize da promessa e do "boom" económico do Novo Brasil: capitalizar esses modelos do quotidiano que são os cariocas, vendendo a sua imagem e a atracção pelo seu estilo de vida estampando-os num fato de banho, mas evitando os clichés.

A moda de praia é simultaneamente ingrediente da imagem típica do Brasil e emblema de uma certa brasilidade. E no Fashion Rio, que decorreu até sexta-feira, é tudo uma questão de ícones. De Águas de Março a estrelas de novela como Reynaldo Gianecchini e Giovanna Antonelli, passando por modelos brasileiras como Aline Weber, até chegar aos protestos do ano passado ou aos emblemas tropicais, a Marina da Glória acolheu diferentes propostas vindas de outras paragens, mas foi muito Rio.

Vista gloriosa sobre o Pão de Açúcar e alpendre sobre o mar, desfiles de moda de praia, biquínis e corpos esculturais, roupas fluidas para reclamar uma identidade – a praia é brasileira, ponto. Mesmo com uma edição menor em número de desfiles (18) e nem sempre muito criativa, o Fashion Rio quis ser um postal para que o público aspirasse ao ideal de viver a vida como um carioca. É possível ser uma versão da Garota de Ipanema. É só comprá-la.

Rio, referência cool
“Na estação passada, um antropólogo [o americano Ted Polhemus] falou que o Brasil não tem condição de criar uma imagem de moda, que tinha que olhar para a Garota de Ipanema e para a bossa nova. Meu Deus do céu!” Paulo Borges, mentor das duas principais semanas de moda do Brasil, a urbana São Paulo Fashion Week e a descontraída Fashion Rio, abana a cabeça. “O mundo ainda vê o cliché. Não pode fazer com que a palmeira, o papagaio e o abacaxi virem estereótipo, caricatura, não é profundo. Não tá acrescentando nada, não tá revendo, criticando”, explica ao PÚBLICO. Prefere “uma interpretação contemporânea do que somos”.

E ela aconteceu, nos quatro dias de desfiles para o Verão 2015, graças a dois dos maiores nomes desse mar conceptual que é a “moda praia brasileira”. Na imponente Villa Philippe, uma mansão colonial no bairro da Glória, estreou-se a nova marca de um dos reis do lifestyle brasileiro, Oskar Metsahavat. A sua Osklen Praia presta homenagem ao “Rio, a referência mais cool e autoral de moda praia que existe”, como explicou o designer ao jornal O Globo. Minimal e sofisticada, usou estampas com… palmeiras, o Pão de Açúcar e pequenas malas em forma de abacaxi. Uma das poucas marcas no Fashion Rio com pontos de venda em Portugal, a par da Salinas, Cantão ou Lenny, fez uma noite de neoprene e algodão em que, confirma Paulo Borges, o tropical carioca “é arquétipo, não é estereótipo”.

Lenny Niemeyer, senhora do luxo balnear, é outra indefectível carioca, trabalhando no século XXI as linhas mestras da identidade da moda brasileira (a natureza, os estampados). Sofisticada como num qualquer principado europeu, mas tropical nos motivos, fechou o evento com um exército de top models e sob uma chuva de palmas e algumas lágrimas elogiosas. O Rio versão top, enquanto é tempo.

“No hemisfério sul ainda existe um deslumbramento com Hollywood, Paris, Milão”, disse há semanas em São Paulo a influente previsora de tendências Li Edelkoort. Mas, contrastou, “nós gostaríamos de estar aqui!” Se noutras áreas da criação da moda brasileira as inspirações ou colagens ao que se faz na Europa são indesmentíveis, a sua roupa de praia tem ADN local. Os senhores da moda do Brasil estão alerta e querem apostar nessa identidade. Sobretudo porque as nuvens já pairam.

“Queremos construir uma imagem de moda brasileira, porque o Brasil ainda não tem. A vantagem é que tem uma imagem de país”, resume Lilian Kaddissi, gerente executiva do programa de internacionalização da moda brasileira Texbrasil, que apoia o Fashion Rio. Porque “a onda do Novo Brasil já vai passar…” Na semana passada, o FMI reduziu pela terceira vez a previsão de crescimento do país para 2014 (para 1,8%) e o Brasil está cada vez mais descrente na Presidente Dilma Rousseff, mostram as sondagens e as conversas de café.  

O fim do Inverno no Rio
“As marcas internacionais, da Forever 21 à Hermès, estão chegando e há espaço para todos”, considera Lilian Pacce, veterana jornalista e crítica de moda brasileira. Mas, da primeira fila do Fashion Rio, diagnostica: às marcas brasileiras “falta uma cultura de branding como a das marcas globais”, descurada porque a força do mercado interno brasileiro é tal que o “sonho da exportação” não existe.

E outra coisa que não existe é o frio. “O Inverno é uma ficção aqui no Rio”, diz Pacce, defendendo o plano que deve concretizar-se este ano: o fim oficial do Inverno no Rio de Janeiro. Ou, em linguagem moda, o que Paulo Borges chama de Alto Verão e que, na prática, é uma tentativa de tornar o Brasil uma referência no calendário mundial através dos eventos conhecidos como resort ou cruise, temporadas entre as estações fria e quente associadas a um imaginário escapista de jet set.

A ideia é fazer com que o planeta viva um Verão sem fim no Rio. E esqueça, por exemplo, Miami. “É uma mistura de estratégia e de negócio”, aproveitando a chegada em força das marcas globais ao Brasil e “usando o mercado global para criar um ponto único no mundo para se falar de alto verão”, explica Paulo Borges. A “moda praia para nós brasileiros é muito mais do que o biquíni e o maiô. É um contexto de como as pessoas se relacionam com esse momento praia”, férias infinitas à carioca. “O Rio é o lugar onde tem esse aspiracional, já é percebido pelo mundo assim”, insiste Paulo Borges. “A paisagem, de facto, constrói o desejo.”

Passado então o optimismo fulgurante da moda brasileira de há quatro, cinco anos, erguido sobre uma pirâmide de supermodelos embaixadoras, expansão económica e promessas de Dilma para a moda, há marcas que abandonaram a passerelle. Umas em dificuldades financeiras, outras a responder a encomendas antecipadas, porque os turistas desportivos do Mundial vão às compras e as lojas têm de ser abastecidas mais cedo.

A indústria de moda brasileira continuou a crescer em 2013 para os 58,4 mil milhões de dólares, mesmo com a tendência de migração da produção para a Ásia; em 2014, as estimativas indicam que “o consumo de moda vai ser na ordem dos 65 mil milhões de dólares”, revela Kaddissi, saídos sobretudo do bolso da nova classe média. A responsável pelo Texbrasil admite: “Não vamos conseguir competir pelo preço, devido à pressão da Ásia”, por isso é apostar em “produtos específicos do Brasil, o seu lifestyle, o colorido, as estampas”.

E estamos de volta aos desfiles de biquínis e da vida brasileira dos mais afortunados. É a passerelle, sim, mas a passerelle informal de Copacabana ou Ipanema. “Viva uma vez por dia”, diz outro cartaz, 100% brasileiro.

O PÚBLICO viajou a convite do programa Texbrasil

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