Dark Blood, o último filme de River Phoenix: o que foi não chega a ser

O último filme de River Phoenix, terminado 20 anos após a sua morte, é um rascunho de algo que talvez não tivesse sido tão bom como isso

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Phoenix morreu em Los Angeles antes de o filme ser terminado DR

Dark Blood, de George Sluizer, não é um bom filme porque só foi acabado 20 anos depois de ter sido rodado? Ou, se tivesse sido acabado em 1993 – e se ainda tivéssemos River Phoenix entre nós - também não teria sido um bom filme?

O percurso que leva o último filme que River Phoenix rodou até ao festival de Berlim, onde foi exibido fora de competição, tem qualquer coisa de confidencial e misterioso. Phoenix morreu aos 23 anos em Los Angeles, de overdose, a 31 de Outubro de 1993; Dark Blood tinha completado as rodagens de exteriores no Utah, iria seguir para os interiores em estúdio.

A seguradora entrou em acção, as rodagens foram abandonadas e o material ficou em arquivo durante seis anos antes de o realizador holandês tomar a sua posse depois de saber que o mesmo iria ser destruído - e só em 2009, depois de ter sido diagnosticado com um aneurisma potencialmente fatal, Sluizer decidiu terminá-lo. 

No papel, completar o filme – ao qual, nas palavras de Sluizer, falta cerca de “20%” da história – tem qualquer coisa de aproveitamento mórbido. Na prática percebe-se que o cineasta holandês quis apenas terminar o filme enquanto ainda estava em condições de o fazer, em vez de deixar aos outros tal tarefa. 

O resultado, contudo, levanta questões sobre a validade desta história de um casal em crise (Judy Davis e Jonathan Pryce) que um eremita solitário e possivelmente psicótico (Phoenix) acolhe quando o seu carro avaria no meio dos desertos do Nevada. Dark Blood é o tipo de projecto fora do baralho que o circuito de produção independente acolhia de braços abertos nos anos 1990, durante a ascensão de Sundance: um filme de sensibilidade europeia jogando com o imaginário mítico dos grandes espaços dos EUA. 

Ora, há duas questões a levar em conta. Uma: George Sluizer é recordado apenas por um filme – o perturbante O Homem que Queria Saber – e nada do que veio depois lhe chegou aos calcanhares, a começar pelas suas duas obras rodadas em Portugal, Mortinho por Chegar a Casa e A Jangada de Pedra. Outra: algumas das cenas fulcrais, que dariam consistência e espessura a Dark Blood, não chegaram a ser filmadas. 

O que daqui resulta, então, é um rascunho com mais interesse para historiadores do cinema do que para o grande público. Nesta versão “inacabada”, o centro do filme é o casal burguês formado por um actor em dificuldades e a sua mulher alcóolica, com o eremita de Phoenix a servir de “catalisador” confrontacional para a explosão da sua relação. 

Nenhuma das personagens consegue existir para lá da superfície, para lá do “boneco”, em grande parte porque o material em falta seria essencial para lhes dar corpo. Ao mesmo tempo, a estranheza da história, que está a sempre a invocar um misticismo herdado dos índios norte-americanos sem na verdade o justificar grandemente, e a sua aparente ausência de direcção sugerem que Dark Blood poderia não ter sido um grande filme se tivesse sido completado na altura. O que se viu em Berlim, claramente, não é.

 


 


  
 

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