Catherine Deneuve ou a arqueologia da beleza feminina

A conferência de imprensa de Elle s'en va em Berlim, road movie simpático em modo pára-arranca, foi um peculiar momento de bizarria

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Emmanuelle Bercot garante que escreveu o argumento a pensar em Catherine Deneuve Thomes Peter/Reuters

Emmanuelle Bercot desmancha-se a rir loucamente um par de vezes, Catherine Deneuve fica genuinamente irritada. Estamos na sala de conferências do hotel Hyatt em Berlim, Elle s'en va (competição) acaba de ter a sua projecção oficial para a imprensa, um jornalista com um passado de arqueólogo fala de Elle s'en va como uma espécie de “museu arqueológico da beleza feminina”.

Aos 69 anos, a estrela francesa interpreta na terceira realização de Bercot uma antiga Miss Bretanha em crise pessoal que visita a certa altura uma reunião de antigas misses – e o jornalista pega nisso para fazer uma ligação com Amor de Michael Haneke.

“Foi deliberado da vossa parte abordar a questão da senilidade?” Bercot, realizadora e co-argumentista de Elle s'en va, grita “Senil????” e ri-se perdidamente. Deneuve parece genuinamente embasbacada. Não haverá resposta.

A bizarria continua. Uma jornalista alemã pergunta porque é que as canções do filme são todas em inglês, se alguma vez poderemos ouvir música alemã num filme francês, e porque é que as actrizes fumam tanto no cinema francês. Deneuve dispara: “Ah? As actrizes alemãs não fumam no cinema?” Gargalhadas na sala. “Quanto à música alemã, também há muitos artistas alemães que cantam em inglês.”

Outra jornalista alemã: “Como está o seu hábito de fumar, Madame Deneuve?” “Bem, muito obrigado. Não me vanglorio de continuar a fumar, mas também não o escondo. Mas a razão pela qual me deixaram de ver fumar em público é muito simples: não fumo assim tanto como isso, só que os fotógrafos apanham-me sempre que puxo de um cigarro e são sempre essas fotos que circulam.”

Pronto, é oficial: o último filme da competição de Berlim foi o momento em que a imprensa, talvez em resultado da quantidade de trabalho dos últimos oito dias, se passou de vez. É verdade que Elle s'en va não é uma obra-prima: este road movie simpático e ligeirinho mas um pouco pára-arranca, acompanhando uma mulher madura que vira costas à sua vida e parte à aventura, nasceu da vontade de Emmanuelle Bercot e Catherine Deneuve filmarem juntas. “Escrevi Elle s'en va para Catherine porque quis trabalhar com ela,” como explica a realizadora. O filme é ela; e o argumento cresceu a partir daí como um quebra-cabeças, com ideias a encaixar umas nas outras.”

Nada, contudo, faria prever que esta se tornasse na conferência de imprensa mais desconcertante de Berlim, com praticamente todas as perguntas a dirigir-se à vedeta francesa e a maior parte delas nem sequer versando o filme. O jornalista-arqueólogo que falou de “senilidade” não se soube exactamente explicar; é verdade que Elle s'en va tem um lado de celebração da experiência e da idade, de dizer que a vida não acaba quando se envelhece – aliás, é o que de melhor o filme tem, o optimismo de achar que se pode sempre começar de novo.

Deneuve, ela, não tem problemas nenhuns com a idade que tem. “Não é fácil envelhecer para uma mulher, sobretudo se for artista. Mas também não precisamos de ficar todos obcecados com isso. O melhor que podemos fazer é aprender a viver com a idade que temos. E há belíssimas histórias de amor na terceira idade, gente que se conhece em lares e se casa aos 70 anos..” Que, por acaso, é a idade que a actriz fará em Outubro próximo. 

  
 

 
 
 
 

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