A Europa numa estação

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Gare du Nord, de Claire Simon

Claire Simon é a “heroína indepente” do IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema Independente deste ano, assim protagonizando a “retoma” da secção retrospectiva do festival, deixada em pousio nas últimas edições.

 São também com ela as honras de abertura, pois é com o seu último filme, Gare du Nord, que o festival  é inaugurado esta quinta-feira à noite. Gare du Nord, que tem um filme “gémeo”, Geographies Humaines, igualmente integrado nesta retrospectiva, é um bom exemplo daquela que é uma das apostas centrais do cinema de Claire Simon, de quem, diga-se de passagem, só um filme, Os Escritórios de Deus, chegou ao circuito comercial português.

Totalmente rodado na mais célebre e movimentada estação de caminhos de ferro parisiense (a homónima Gare du Nord) é uma singular mescla de documentário e ficção, ou, explicando um pouco melhor, um filme onde a ficção surge como uma espécie de gazua para a entrada de um olhar documental.

É, em termos de “história”, o relato da relação entre um jovem de origem argelina (Reda Kateb, actor do Zero Dark Thirty de Kathryn Bigelow) que passa os dias na estação a fazer pesquisa para uma tese universitária, e uma mulher mais velha (a bem conhecida Nicole Garcia), professora de História em processo de tratamento de um cancro.

É através da relação destas personagens, num romantismo suave mas assombrado (pela morte), que se abrem as portas, os caminhos e os corredores da estação, e se revela a quantidade de gente que a frequenta, sejam trabalhadores sejam passageiros constantemente em trânsito para um comboio ou para a cidade.

Em traços gerais, Gare du Nord tem algo de um princípio “wisemaniano” (sendo que Wiseman, confessadamente, é uma das admirações de Claire Simon), com um grande lugar de convergência a ser explorado exaustivamente tanto nas sua geografia concreta como no seu carácter microcósmico, enquanto plataforma reveladora do funcionamento do mundo muito para além daquele lugar.

Embora depois o procedimento divirja (quanto mais não seja pela intrusão da ficção) a intenção nunca se afasta muito: ir ao encontro desta Gare du Nord é ir ao encontro da “vida contemporânea”, ir ao encontro de sinais da organização social, laboral, política, na Europa dos nossos dias, entre o que é especificamente francês ou parisiense e o que é facilmente transponível para outras grandes cidades europeias (e por exemplo, a questão da imigração, e da “mobilidade” permanente que é um dos credos mais em voga). Posto em termos muito simples: uma bela maneira de partir à descoberta da obra de Claire Simon.

 

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