Depois da votação, mercados vão olhar para a fragilidade da banca

O sector bancário italiano precisa urgentemente de mais capital. Poderá a incerteza política afugentar os investidores?

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O caso mais grave e emblemático na banca italiana é o do Monte dei Paschi Reuters/Max Rossi / Reuters

O referendo que se realiza neste domingo em Itália pode não ter nada a ver com o sistema financeiro, mas para onde os mercados vão olhar com toda a atenção na segunda-feira, principalmente se o “não” vencer, é para os bancos italianos e para a capacidade que estes terão para evitar a entrada numa crise de grandes proporções.

Com uma economia a crescer há décadas a um ritmo muito lento e uma dívida pública que se mantém entre as que maior peso no PIB têm na Europa, é nos seus bancos que a Itália apresenta actualmente a maior debilidade. Uma acção rápida e eficaz das autoridades italianas para corrigir as insuficiências de capital que têm vindo a ser detectadas é vista pelos mercados como inadiável e, por isso, o que não falta são investidores preocupados com o que pode significar um cenário em que a reforma do sistema político sugerida por Matteo Renzi chumba, o primeiro-ministro se demite e a Itália entra num novo período de incerteza política, com adiamento de decisões.

É certo que prever a reacção dos mercados aos resultados de eleições e referendos tem sido uma tarefa bastante propensa a erros nos últimos meses. Antes das votações recentes no Reino Unido e nos Estados Unidos, falava-se da possibilidade de os mercados reagirem muito negativamente a uma decisão britânica de saída da União Europeia ou a uma eleição de Donald Trump. Mas a verdade é que, apesar de esses cenários terem acabado por se concretizar contra a maior parte das expectativas, os mercados reagiram à surpresa com uma relativa calma, apresentando mesmo nos Estados Unidos subidas significativas no valor dos índices bolsistas.

Agora, no caso italiano, sabendo-se que a maior parte das sondagens já aponta para a forte possibilidade de um “não” no referendo, nem sequer se pode falar da ocorrência de um efeito surpresa negativo, como era suposto acontecer no caso do “Brexit” e de Trump. Ainda assim, numa coisa todos os analistas concordam. Se algo correr mal, se um ambiente negativo se vier mesmo a instalar nos mercados, será, com toda a probabilidade por via de um agravamento da perda de confiança na banca italiana.

Ameaças à vista

Durante a última década, o sector bancário italiano tem enfrentado um clima em que à queda das receitas trazida pela redução das taxas de juro não tem correspondido a diminuição dos custos. E, ainda mais importante, o desempenho fraco da economia e a reduzida prudência na concessão de empréstimos resultou na acumulação de 380 mil milhões de euros de crédito malparado.

Este enorme valor global tem colocado algumas das instituições financeiras mais importantes do país à beira de um abismo financeiro. O caso mais grave e emblemático é o do Monte dei Paschi di Siena, o banco mais antigo do mundo e o terceiro maior de Itália, no qual o BCE detectou recentemente uma insuficiência de capital de 5000 milhões de euros. Mas nos outros grandes bancos também se adivinham necessidades volumosas de capital.

Para enfrentar este problema, o Governo liderado por Renzi está neste momento a apostar numa solução que lhe permita capitalizar os bancos sem violar as regras europeias que limitam as ajudas estatais. Foi criado um veículo financeiro que irá servir para capitalizar os bancos que precisem, mas quem tem de garantir o financiamento desse veículo são investidores privados.

É aqui que surgem as ameaças. Será que esses investidores privados estarão disponíveis para arriscar o seu dinheiro na banca italiana se não houver certezas em relação ao futuro político do país? A resposta é neste momento difícil de prever, mas se acabar por ser negativa, as consequências poderão ser um agravamento da desvalorização bolsista dos bancos ou mesmo um acréscimo do risco de fuga de depósitos nas instituições mais frágeis.

Isso acabaria por aumentar a urgência de se capitalizar os bancos, sob o risco de alguma instituição ser forçada a entrar em processo de resolução. De acordo com as regras europeias, em caso de resolução, o Estado não pode chegar-se à frente com o capital, antes que accionistas e credores assumam primeiro as perdas. Mas, em Itália, essa possibilidade tem sido sempre posta de parte pelas autoridades, que assinalam que são as famílias que detêm a maior parte dos títulos de dívida dos bancos, num valor acima de 200 mil milhões de euros.

Nesse cenário, a Itália ficaria com uma de duas soluções: deixar cair a banca, com um efeito muito negativo e imprevisível em toda a economia, ou não cumprir as regras europeias e usar o dinheiro de um Estado já muito endividado para salvar o sistema financeiro. 

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