Património de Nimrud depois do Daesh está "irreconhecível"

Sítio arqueológico, ou o que resta dele, foi visitado pelo Le Monde.

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Imagem satélite de Nimrud em Agosto ASOR
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O zigurate em 1975 DR
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Imagem satélite de Nimrud em Novembro ASOR

O sítio arqueológico de Nimrud está "irreconhecível", relata o Le Monde, que foi em reportagem aos territórios recuperados pelo exército iraquiano ao grupo Daesh. Libertado a 13 de Novembro, o sítio ficou a sua silhueta "desfigurada" desde que os jihadistas arrasaram a zona; o que restava dos templos como o de Ishtar ou do zigurate de Nimrud jaz por terra. Os aldeões que agora regressam temem, ainda, que a zona esteja minada, como Palmira, na Síria, ficou depois da saída do Daesh.

O repórter do diário francês indica que os montes de terra que indicavam a presença do templo de Ninurta, deus sumério e acádio da guerra e da caça, tinham uma extensão de 30 metros e está agora "reduzido a menos de uma dezena". Os vestígios do templo de Ishtar, deusa da guerra, foi vítima de bulldozers que trabalharam sobre as suas ruínas ao longo de oito a dez dias, segundo um morador local, e "parece ter-se abatido como uma caixa de areia". Ainda assim, Laylah Salih, a primeira arqueóloga a ter chegado a Nimrud depois da saída dos jihadistas e responsável pelo departamento de antiguidades da região, acredita que possam ainda ser recuperadas as suas fundações, visto que uma parte da estrutura era já uma reconstituição feita na década de 1990.

Já a elevação que assinalava a antiga presença do zigurate (estrutura do tipo pirâmide, com fins religiosos, que é característica da Mesopotâmia) terá sido destruída entre 31 de Agosto e 2 de Outubro, o intervalo entre duas imagens de satélite divulgadas pelas American Schools of Oriental Research.

Tinha quase 3000 anos e era considerada uma das mais importantes, se não a mais importante estrutura do seu tipo e da sua época remanescente das civilizações da Mesopotâmia, como notava há dias a edição online da National Geographic. Não é 100% seguro que tenha sido arrasado pelo Daesh – o grupo não revelou quaisquer imagens da sua destruição, ao contrário do que fez na Primavera de 2015, quando enviou para o mundo vídeos dos seus membros a destruirem peças no Iraque, ou, mais tarde, a arrasarem o palácio do rei assírio Ashurnasipal II e o templo de Nabu. Em Fevereiro do ano passado, exibiu-se também a destruição do espólio do Museu de Mossul. O Le Monde lembra que o monte do zigurate, uma elevação naquele planalto artificial, pode ter sido vítima da sua posição estratégica como "ponto de observação único". 

Há vestígios de estatuetas e adornos esmigalhados; a sala do trono já se sabia dilacerada por explosivos em Abril de 2015, mas os arqueólogos citados pelo diário francês acreditam que os túmulos sob a estrutura, encontrados na década de 1980 intactos e recheados de tesouros, não terão colapsado. Estão, porém, inacessíveis, bloqueados por grandes pedras, havendo ainda o receio de que ali possam ter sido escondidas minas. Outros vestígios arqueológicos de grande valor podem ter sido pilhados ao invés de destruídos, para venda no mercado negro, uma já conhecida fonte de financiamento do Daesh, que considera heréticos muitos destes artefactos e edifícios, por estarem ornados com representações de divindades de civilizações pré-islâmicas como os assírios.

Nimrud, baptizada em homenagem ao rei Nimrod e fundada cerca de 1250 a.C., é um dos principais pólos arqueológicos que restam da antiga Mesopotâmia e constitui, com Hatra e Nínive, uma das zonas patrimoniais mais importantes da região e um dos complexos mais relevantes do mundo. Foi o centro político do império assírio e um dos centros de desenvolvimento da civilização. Tem sido escavado desde meados do século XIX e há peças de Nimrud no British Museum, em Londres, no Metropolitan Museum, em Nova Iorque, ou no Museu Nacional iraquiano, em Bagdad.

As contas do Le Monde lembram que só na província de Nínive, outrora uma cidade real, há 66 sítios danificados pelo Daesh nos últimos dois anos.

Neste contexto, França vai propor no encontro sobre o património que decorre em Abu Dhabi na sexta-feira e no sábado (2 e 3 de Dezembro) a criação de um "fundo internacional dedicado à protecção do património em perigo em zonas de conflito", que tem sido descrito como uma espécie de Plano Marshall para zonas como Palmira ou Nimrud. O fundo, que deverá receber contribuições de países e de instituições públicas ou privadas, conta para já com as contribuições iniciais da França (30 milhões de dólares), dos Emirados Árabes Unidos (15 milhões), da China, da Coreia do Sul e do Japão, segundo adiantou o ex-ministro da Cultura francês e actual presidente do Institut du Monde Arabe, Jack Lang, ao Le Monde

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