Extremistas avançam com bulldozers sobre cidade milenar de Nimrud

O ataque ao património continua no Iraque. Nimrud, um dos principais sítios arqueológicos do país e uma das cidades mais importantes da antiga Mesopotâmia, terá sido destruída esta quinta-feira. Extensão dos danos ainda não é conhecida.

Um leão alado com um rosto humano, símbolo da força da civilização assíria, no sítio arqueológico de Nimrud, em 2001
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Um animal alado com rosto humano, símbolo da força da civilização assíria, no sítio arqueológico de Nimrud, em 2001 Karim Sahib/AFP
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Trabalhadores iraquianos limpam o sítio arqueológico, em 2011 AFP
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Os extremistas do autodesignado Estado Islâmico estão a levar cada vez mais longe a onda de destruição do passado histórico do Iraque. Depois do ataque ao Museu de Mossul, um dos mais importantes do Médio Oriente, ter levado militantes a partirem com martelos, picaretas e berbequins esculturas e frisos milenares, chega agora a vez da cidade assíria de Nimrud, com 3000 anos.

Segundo as autoridades iraquianas, citadas pela imprensa internacional, os jihadistas avançaram sobre este sítio arqueológico nas margens do Rio Tigre, a sul de Mossul, a segunda maior cidade do país, com bulldozers, arrasando várias estruturas.

Nimrud, assim chamada em homenagem ao rei Nimrod, caçador lendário que a Bíblia refere, é um dos principais pólos da antiga Mesopotâmia, tida com um dos berços da civilização, formando com as cidades reais de Nínive e Hatra um triângulo patrimonial de referência. Foi fundada por volta de 1250 a.C. e, quatro séculos mais tarde, tornou-se a capital do império assírio, o mais poderoso do seu tempo, com um território que abarca o que é hoje o Egipto, a Turquia e o Irão.

Os motivos que os extremistas evocam para a destruição em Mossul e na velha Nimrud são os mesmos: as estátuas dos acadianos – povos, como os assírios e babilónicos, que falavam acádio, língua da Mesopotâmia que usava a escrita cuneiforme e é uma das mais antigas do mundo – são vistas como blasfemas, já que são o reflexo de que, no passado, esta região adorou “ídolos”, desrespeitando o Profeta.

Foi o ministro do Turismo e das Antiguidades que, segundo a agência de notícias francesa, AFP, deu o alerta, garantindo, na quinta-feira, que o grupo terrorista atacara “a cidade histórica de Nimrud, demolindo-a com veículos pesados”. Os extremistas, acrescentou, “continuam a afrontar a vontade do mundo e os sentimentos da humanidade”, escreveu na sua página na rede social Facebook, de acordo com o jornal The Independent.

Outro responsável pelo património, que preferiu manter o anonimato, precisou que o ataque começou depois das orações do meio-dia e que, além dos bulldozers, os militantes levaram camiões para poderem transportar as esculturas e altos-relevos mais pequenos, que foram capazes de destacar dos muros e paredes do sítio arqueológico. O tráfico de antiguidades, recorde-se, foi já identificado como uma das fontes de financiamento destes extremistas.

A destruição foi também confirmada, desta vez à agência Reuters, por uma fonte tribal: “Os membros do EI vieram à cidade arqueológica de Nimrud e saquearam tudo o que havia de valor e depois continuaram, arrasando todo o sítio. (…) Havia estátuas e paredes, assim como um ‘castelo’ que o Estado Islâmico destruiu por completo.”

O sítio de Nimrud, escavado desde o século XIX (a autora de romances policiais Agatha Christie foi uma das que passou por lá nos anos 1950, com o marido, o arqueólogo britânico Max Mallowan), viu boa parte do seu património ser transferido para museus ocidentais e para Bagdad, onde está o famoso tesouro da cidade (613 peças em ouro, jóias e ornamentos com mais de 2800 anos, decoberto na década de 1990).

Ainda que a destruição levada a cabo pelo grupo terrorista possa comparar-se à implosão dos budas de Bamiyan, levada a cabo pelos taliban no Afeganistão, em 2001, muitos arqueólogos têm vindo a defender que, no seu ataque ao património, o autoproclamado Estado Islâmico tem sido mais rápido, implacável e abrangente do que os “estudantes de teologia”, lembra esta sexta-feira o jornal britânico The Guardian.

Museus ocidentais
É ainda cedo para determinar a amplitude do ataque, disse à televisão Al-Jazira outro funcionário ligado às antiguidades, embora haja já relatos de que os portões do palácio do rei assírio Ashurnasirpal II foram esmagados. Estes portões são formados por esculturas icónicas que se podem encontrar em cidades como Persépolis e nalgumas das mais importantes colecções do mundo, como as dos museus Britânico, em Londres, do Louvre, em Paris, ou do Metropolitan de Nova Iorque – os lamassu são divindades assírias, representadas com corpo de leão ou de touro, asas de águia e rosto humano. Para os jihadistas promovem a idolatria.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) já classificou este ataque como um “crime de guerra”, apelando a que “todos os responsáveis políticos e religiosos da região se levantem contra esta nova barbárie”. Num comunicado, a directora geral da UNESCO, Irina Bokova, afirma que "este novo ataque contra o povo iraquiano recorda que a limpeza cultural que está a castigar o Iraque não poupa nada nem ninguém".

Bokova, que já reuniu com o presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a procuradora do Tribunal Penal Internacional, apela a uma "mobilização sem precedentes" para "travar esta catástrofe".

Uma questão de tempo
Ao diário francês Le Monde, Abdelamir Hamdani, arqueólogo iraquiano da Universidade de Stony Brook, em Nova Iorque, disse estar “chocado” com o que aconteceu em Nimrud, mas não surpreendido. Para Hamdani é certo que os extremistas farão o mesmo em Hatra, “é so uma questão de tempo": "Lamento dizê-lo, mas o mundo já estava à espera. O objectivo dos jihadistas é destruir o património iraquiano, sítio após sítio.”

Desde Junho do ano passado que o EI controla a cidade e a região de Mossul, onde se encontram, segundo a televisão pública britânica, 1800 dos 12 mil sítios arqueológicos registados no Iraque.

O Iraque a Síria têm sido particularmente visados nos ataques ao património nos últimos anos. Sendo que, lembram especialistas dos museus europeus e americanos, a destruição de artefactos e sítios arqueológicos nesta região do Médio Oriente compromete uma herança comum, já que boa parte da história da civilização passa pelas cidades acadianas. Entre os ataques mais graves está a invasão do Museu de Bagdad, em 2003, que levou à perda irremediável de milhares de artefactos e documentos que terão inundado o mercado negro de antiguidades; o ataque sistemático à Cidade Velha de Alepo, património da humanidade, e agora Mossul e Nimrud.

Notícia actualizada às 17h10

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