BE apresenta proposta para autonomizar o crime de mutilação genital feminina

Nesta quinta-feira assinala-se o Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina. Em cerca de uma dezena de países da UE a lei penal já considera a MGF como um crime autónomo.

Alterar o Código Penal e autonomizar o crime de mutilação genital feminina (MGF), com uma pena de até 12 anos de prisão para quem forçar uma mulher a esta prática — é o objectivo de um projecto de lei que o Bloco de Esquerda apresenta hoje, publicamente, no Parlamento. Pretende-se dar nome a um crime que na maior parte dos casos “fica sem castigo”, nas palavras da deputada Cecília Honório.

A proposta, a que o PÚBLICO teve acesso, visa reforçar “o combate, e os seus instrumentos, contra esta forma intolerável de violência”, lê-se no preâmbulo. “Individualiza o crime de mutilação genital feminina, conferindo a moldura penal da ofensa à integridade física qualificada a quem comete ou força a cometer o acto, e de ofensa à entidade física grave a quem incentiva ou providencia os meios para o efeito”. Nesta quinta-feira assinala-se o Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina.

Estima-se que há 500 mil mulheres que vivem na Europa que sofrem as consequências desta prática e que 180 mil raparigas se encontram em risco de ser alvo da mesma. Em Portugal, diz a deputada, “há uma grande cortina de fumo sobre as estatísticas”.

A Lusa divulgou os resultados de 112 inquéritos a profissionais de saúde da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa: 44 (médicos, enfermeiros, auxiliares de acção médica e administrativos) já tinham observado pelo menos uma mulher com MGF e nove inquiridos foram abordados na sequência de sequelas desta prática (para além dos efeitos físicos e psicológicos, a MGF aumenta o risco de complicações em situações de parto, incluindo de morte fetal). Os dados foram publicados na Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa, órgão oficial da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia.

Os artigos 144 e 145 do Código Penal já prevêem penas para quem comete o crime de “ofensa à integridade física grave” e de “ofensa à integridade física qualificada”. Mas Cecília Honório lembra que Portugal está obrigado, no âmbito da Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica a “legislar no sentido de identificar claramente o crime” de MGF.

Na proposta do Bloco, o Código Penal deverá contemplar, assim, um artigo que explicite a MGF e que deverá ter a seguinte redacção: “Quem praticar ou forçar uma mulher à excisão, infibulação, ou qualquer outra mutilação total ou parcial da parte externa do aparelho genital feminino, nomeadamente os grandes lábios, pequenos lábios ou clitóris, é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos; Quem incitar ou providenciar os meios para os actos mencionados no número anterior é punido com a pena de prisão de 2 a 10 anos.”

Evitar equívocos
A deputada diz que, assim, será mais fácil evitar ambiguidades e equívocos na interpretação da lei. Garante que tem conhecimento de vários casos que foram denunciados mas acabaram por ser arquivados precisamente devido à subjectividade que o actual enquadramento legal proporciona.

Cecília Honório sublinha ainda que esta proposta não se destina a combater qualquer indiferença que exista em relação ao tema – “A indiferença não existe. Há uma vontade política e das diferentes entidades e associações de combater este crime, desde a secretária de Estado [dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Teresa Morais], aos técnicos de saúde e organizações não governamentais que têm trabalhado neste assunto”.

Teresa Morais tem defendido em várias ocasiões a alteração da lei porque quando a MGF não é considerada uma ofensa grave à integridade física deixa de ser crime público e fica dependente de queixa às autoridades por parte das próprias vítimas ou das famílias, que raramente o fazem. “Tem havido relatórios periciais da Polícia Judiciária que não a consideram uma ofensa à integridade física grave, mas apenas uma ofensa à integridade física”, tem referido a governante, que já instou publicamente a ministra da Justiça a alterar a lei. Mas sem resultados, apesar de cerca de uma dezena de países da União Europeia tratar este crime de forma autónoma.

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