Valorizar a democracia parlamentar e o acto eleitoral

Maria de Belém esteve sempre presente nos grandes momentos de afirmação e de consolidação da nossa democracia.

1. Os revolucionários e os reaccionários têm em comum, entre outras coisas, um desprezo visceral pela democracia parlamentar. Esse desprezo resulta de duas razões essenciais: a desvalorização do acto eleitoral como fonte de legitimidade institucional e a rejeição da retórica argumentativa como instrumento privilegiado de exposição e resolução dos conflitos. Convém desde já esclarecer que não há uma homologia automática entre a díade reacção-revolução e a díade extrema direita-extrema esquerda. Na verdade, não podemos ignorar que a par de uma extrema-direita deliberadamente reaccionária há uma outra de natureza revolucionária. Daí resulta que a abordagem do fenómeno democrático seja feita sob perspectivas muito diferentes nas várias famílias doutrinárias que têm em comum o desapego ao modelo democrático-liberal parlamentar. Temos aqueles que abominam toda e qualquer forma de organização democrática, temos os defensores da chamada democracia plebiscitária (que prescinde do formalismo do acto eleitoral) e temos ainda aqueles que invocam um misto de necessidade histórica e de voluntarismo vanguardista para justificarem o seu comportamento autoritário e, até mesmo, totalitário. Comungam todos de uma aversão ao mundo liberal e à classe social que lhe está mais associada, a burguesia. Mesmo quando, como no caso do fascismo italiano ou alemão, se aproximaram dela, nunca deixaram de odiar os valores burgueses.

Esta inimizade para com a democracia parlamentar constitui um fundo mental sempre presente na acção dos agrupamentos políticos extremistas. Não perdem uma ocasião para deixarem transparecer o seu verdadeiro estado de espírito nesta matéria. Em épocas de crise, como aquela que atravessamos, exteriorizam mais facilmente as suas posições contando com o benefício de alguns sectores da opinião pública. Nestas ocasiões tornam-se até mais audazes contando (no que infelizmente não estão muito enganados) com a covardia e o oportunismo de muito boa gente que tinha a obrigação de se lhes opor. Assim sucedeu uma vez mais na recta final da campanha eleitoral para a Presidência da República a propósito da decisão do Tribunal Constitucional sobre as subvenções vitalícias de alguns titulares de cargos políticos. No meio da algazarra geral, desde a demagogia habitual de Paulo Portas até à incontinência verbal absoluta dos habituais pregadores do Bloco de Esquerda – não desfazendo nos sermões políticos do candidato presidencial do PCP – ergueu-se uma voz séria, clara, corajosa: Alberto Martins. Colocou a questão nos seus devidos termos, defendeu a honra do Tribunal Constitucional e não permitiu o abandalhamento da instituição parlamentar.

Na verdade, dá muito jeito a uma certa direita umbilicalmente ligada às verdadeiras oligarquias existentes o trabalhinho sabujo da extrema-esquerda quando esta se empenha em identificar a representação nacional com uma casta. Esta palavra surgiu ultimamente no vocabulário político dos extremistas europeus. Começou em Itália com dois jornalistas, Sergio Rizzo e Gian Antonio Stella, e com o humorista Beppe Grillo, líder do famigerado movimento 5 Estrelas, e instalou-se de seguida no vocabulário da política espanhola através do recém-criado partido político designado Podemos. Estes últimos chegaram ao ponto de considerar mais importante a contraposição povo-casta política do que a habitual dicotomia esquerda-direita. A moda acabou por chegar a Portugal e até já Francisco Louçã, homem de uma qualidade intelectual superior, se resignou à utilização de tão patético “conceito “. É certo que a superioridade da inteligência não imuniza ninguém aos apelos do populismo. De Louçã, porém, espero sempre mais do que da generalidade dos seus companheiros de percurso político. De qualquer modo, uma ilação há a retirar deste episódio: as mundividências do Bloco de Esquerda e do PCP não se alteraram.

2. O meu apoio à candidatura de Maria de Belém Roseira assenta num conjunto de razões que sucintamente me proponho explicitar. A agora candidata presidencial é uma pessoa com uma identidade política conhecida, com um percurso de intervenção pública amplamente documentado, com uma concepção correcta da função presidencial e dotada das qualidades de inteligência, bom senso e coragem imprescindíveis ao bom desempenho do cargo. Maria de Belém esteve sempre presente na sua condição de militante da esquerda democrática nos grandes momentos de afirmação e de consolidação da nossa democracia; contribuiu pela sua acção prática para a construção do Estado Providência; nunca se refugiou em ambiguidades ditadas pelo calculismo e pela conveniência; sendo uma mulher de partido nunca cedeu ao sectarismo; dá garantias de plena independência no exercício da função presidencial. Acresce a isto que a possibilidade de eleger pela primeira vez uma mulher para a Presidência da República, não constituindo, como é óbvio, razão fundamental para um apoio, representa um factor não despiciendo de entusiasmo eleitoral.

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