Sempre quase

O poder político – acolitado por uma excelência a quem o Primeiro-ministro substabeleceu poderes do Estado – vem peregrinando à volta dos quase.

Mais um quase. Um quase acordo. O poder político - acolitado por uma excelência a quem o Primeiro-ministro (PM) substabeleceu poderes do Estado, tendo em conta o notável argumento de que é o seu melhor amigo - vem peregrinando à volta dos quase. Assim foi com uma quase assinatura para fazer política com os infortunados e desesperados lesados do BES, por via de um memorando de entendimento para … negociar. Assim foi, também, com uma quase renacionalização da TAP que, volvido algum tempo, se terá perdido no nevoeiro da cultura do descarte informativo. Assim tem sido, com uma quase ideia do PM numa entrevista a um diário anunciando um “veículo de resolução do crédito malparado” e que pôs meio-país a quase discutir a quase ideia, incluindo o Presidente da República. E, agora, foi este quase entendimento no BPI, tão pouco seguro que até causou a decisão da continuada suspensão da negociação das acções do BPI em Bolsa.

Sobre o “caso BPI”, tudo começa num “pecado original” (em versão laica e hodierna, num sempre invocado “não há alternativa”) quando o BCE deu a machadada (quase) final do que nos resta de soberania financeira. Depois de “sugerir” (leia-se: ordenar) a transferência de parte da banca nacional para bancos espanhóis, impôs ao BPI a sua saída do BFA em Angola (por coincidência, um dos seus activos mais rendíveis), dá-lhe um prazo, e ameaça com multas pesadas (assim dando força a um dos accionistas contendores) e, no fim, “diz” velar pela estabilidade do nosso sistema bancário! Enfim, em tom caricatural: uma guerra Espanha / Angola, arbitrada pelo BCE e com Portugal a observar.

O poder político congratulou-se com o então anunciado acordo e, claro está, quis ficar na fotografia em lugar de destaque. Agora que o quase acordo abortou, o PM disse que “neste momento se transcendeu a possibilidade do Governo poder ter qualquer tipo de intervenção útil.” O Estado no seu melhor: se as coisas correm bem, intervenção oportuna e certeira para salvaguardar o interesse público. Se as coisas correm mal, vou ali e já venho…

Também o Presidente da República pode tirar alguma ilação deste caso. Recordo o que disse antes: Estou satisfeito pelo facto de ter sido fechado o acordo. Foi obra da intervenção dos privados, das entidades reguladoras e dos órgãos do poder político. Sem a intervenção de todos não teria sido possível chegar onde se chegou”. Há momentos em que o silêncio deveria ser de ouro.

A solução? Foi anunciada uma alteração legal que elimina a limitação dos direitos de votos (a “blindagem accionista”) nas sociedades financeiras. Concordo com esse propósito. Contudo, aprovada neste contexto - ainda que haja mais casos de restrição de direitos de voto - vai gerar querela jurídica (e, por tabela, política) e ferir o princípio de que uma boa lei deve ser e parecer, também na sua génese, geral e abstracta. Neste caso, tem o logótipo BPI, a fotografia dos principais intervenientes e a gratidão da já anunciada OPA. Assim, se desfavorece a confiança e se transforma um problema fundamentalmente contratual e privado num assunto de Estado (e entre Estados).

No fim, entre todos os interessados e intervenientes, só há perdedores, ainda que uns mais do que outros. E no rescaldo, suspeito que algo vai sobrar, como de costume, para Costa e suas “falhas graves”. Não o António, mas o Carlos (já ouvi “mosquitos por cordas” a propósito da nova administração do BIC…). E assim tudo fica em paz. Ou quase. Até à próxima.

Economista, ex-ministro das Finanças

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