O ministro "tímido", "mole" e "caracoleta" recusou a política do “bota-abaixo”

PSD, CDS e ministro da Economia divergiram na análise de indicadores e passaram a manhã a contradizer-se sobre a real situação económica do país e sobre se os investidores e consumidores têm ou não confiança.

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Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia Daniel Rocha

Manuel Caldeira Cabral só aguçou o tom por duas vezes. Uma para devolver o elogio gastrópode de “caracoleta” que o PSD usara para classificar a velocidade com que o ministro resolve os assuntos e distribui fundos, alegando que o Governo anterior foi uma “lesma” no processo de execução dos fundos comunitários. A outra, no encerramento do debate, quando a oposição já não podia ripostar, pedindo “pudor” à direita: “A política do bota-abaixo tem que ter os seus limites. Fica mal ao vosso partido. Não é assim que quero fazer política, não é assim que quero colaborar com o vosso partido.”

Marcado pelo PS sob o tema “economia e empresas”, o debate de duas horas e meia não teve brilho nem novidades. O ministro revisitou os programas anunciados pelo Governo para ajudar a revitalizar a economia, como os Capitalizar, Startup Portugal, Indústria 4.0 e Simplex ou ainda medidas para o turismo e a eficiência energética. Disse que Portugal está a “sair de um momento de arrefecimento económico que aconteceu desde meados de 2015”, falou do reforço do investimento de empresas estrangeiras em Portugal como a Mabor e a Faurecia, e apresentou indicadores comparados do PIB, procura externa e criação líquida de emprego. Criticou o discurso “destrutivo e que não interessa a ninguém “ de PSD/CDS de que “tudo está a correr mal e que quanto pior melhor”.

Precisamente os mesmos argumentos e exemplos foram usados pelo deputado socialista Carlos Pereira na intervenção de abertura do debate. E foi com indicadores que a direita respondeu sucessivamente ao deputado e ao ministro – os do desemprego, de novo os do PIB (mas em outros períodos), das exportações, do investimento. O social-democrata Virgílio Macedo não compreende como os socialistas não estão “envergonhados” com a evolução negativa da economia. “Vai continuar a comportar-se como a orquestra do Titanic  [que continuou a tocar] até a água chegar aos pés, joelhos ou pescoço dos portugueses como em 2011?”

O dicionário e a fanfarronice

Não sendo um debate de anúncios, teve um boa dose de soundbytes. O centrista Pedro Mota Soares citou António Costa que há pouco tempo descrever Manuel Caldeira Cabral como “tímido”. O ex-ministro foi ao dicionário e encontrou, entre outros sinónimos, os de “acanhado, amedrontado, apoucado, assustadiço, atadinho, comedido, envergonhado, espantadiço, fraco, frouxo, medroso, matuto, mijote, mole, pávido, poltrão, pusilamine, receoso, retraído, temeroso, trépido, vergonhoso”. Mota Soares apressou-se a lavar as mãos: “Não sou eu nem ninguém da bancada do CDS, mas sim o primeiro-ministro que o chamou para o Governo que lhe chamou isto.” Mas concordou que “cada vez que há uma notícia de economia, ela é frouxa e tímida.”

A timidez do ministro manteve-se no guião da discussão até ao fim. Mesmo apesar de Caldeira Cabral garantir que timidez é coisa que não o “assola”, que lhe chamarem de “tímido e discreto não é insulto”, e que Costa queria, isso sim, fazer um elogio às políticas do seu ministério que, sendo “ousadas e fortes”, têm tido uma “divulgação e propaganda tímidas e discretas”. “Prefiro ter políticas ousadas do que fanfarronice e políticas, essa sim, tímidas para apoio às empresas.”

A questão da falta de confiança - dos empresários portugueses, a dos investidores estrangeiros, a dos consumidores, a das famílias - foi explorada pelo social-democrata Luís Campos Ferreira, que apontou que a economia está já hoje a “ressentir-se” porque “este Governo e esta maioria delapidaram irresponsavelmente o clima de confiança para investir em Portugal”. O deputado disse que as políticas do PCP e do BE são “incompatíveis com o investimento na economia”. Descrevendo a maioria como “recauchutada”, avisou: “A política pode aguentar-se na base de truques e habilidades. Mas na economia não há milagres.”

O ministro que "mete a cabeça na areia"

Acusando o ministro Manuel Caldeira Cabral de agir por “omissão”, Luís Campos Ferreira, que discursava no púlpito, entrou numa espécie de recital com a sua bancada, em frente: a cada meia frase, como “o emprego diminui e o desemprego cresce...”, a resposta, em coro afinado, foi por oito vezes “o sr. ministro mete a cabeça na areia”.

À esquerda ficaram por responder algumas dúvidas concretas, como as do Bloco sobre quais novos investimentos em curso em que indústrias ou sobre qual a estratégia para fazer regressar os portugueses que emigraram nos últimos anos. O PCP falou sobre problemas da “economia real”, das famílias e em especial das micro, pequenas e médias empresas (MPME) mais antigas que enfrentam dificuldades para se reconverterem. “Não podemos cair no erro de que só o que é novo é que interessa”, disse o deputado Bruno Dias, em resposta às referências do ministro à inovação e ao empreendedorismo que o Governo quer apoiar.

O PEV quis conhecer as estratégias para aumentar a eficiência energética das empresas e para agilizar e facilitar o acesso das MPME ao financiamento bancário, pediu um resumo do trabalho da estrutura de missão para a capitalização das empresas. Mas ficou sem respostas.

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