Esta mistura de tempos não é bom sinal

Esse novo parlamentarismo é um sinal de maturidade e saúde democrática para o país. Mas vai agora enfrentar o seu teste mais decisivo.

Uma das coisas boas que a geringonça trouxe, por comparação com o período da troika, foi uma revalorização do parlamentarismo. Onde antes as decisões eram tomadas em reuniões à porta fechada entre o governo e as instituições supranacionais agora o processo deliberativo passa-se em boa medida à vista de todos, nos debates parlamentares e nas tomadas de posição públicas pelos partidos.

Esse novo parlamentarismo é um sinal de maturidade e saúde democrática para o país. Mas vai agora enfrentar o seu teste mais decisivo. Com a tragédia de Pedrógão Grande, a política parlamentar terá tendência a ocupar um espaço que costuma ser mais típico da função executiva, e é decisivo que o faça bem. Em poucas ocasiões o país precisou tanto que a Assembleia da República seja a nossa câmara deliberativa comum e não somente a casa dos partidos. Infelizmente, os primeiros sinais não são bons.

O problema tem pouco a ver com a “politização" ou não da tragédia. Pedrógão Grande foi mais do que um acidente; revelou um feixe de insuficiências e lacunas que nós, portugueses, não queremos para o nosso país. É para todos suficientemente claro que ou é agora que o país leva muito a sério a questão dos fogos florestais e da proteção civil nos incêndios, ou então é o próprio país que não poderá ser levado a sério por não conseguir honrar os seus concidadãos que foram vítimas desta catástrofe. Tudo isto implica uma discussão que é — inevitável e imprescindivelmente — política.

O problema está em como entendemos essa politização. No seu melhor, politizar uma discussão significa encontrar as condições para a conseguir fazer em democracia. No seu pior, significa discutir para a plateia. No seu melhor, faz-se política a pensar em como a história nos irá julgar. No seu pior, faz-se política a pensar quem sai bem no noticiário desta noite.

Ora, o sinal mais claro dos riscos que corremos está precisamente na amálgama que anda a ser feita entre os vários tempos de reação a esta catástrofe. Há pelo menos três tempos distintos que precisam, também, de três respostas distintas. Em primeiro lugar, o tempo curtíssimo: garantir tanto quanto possível que há capacidade de resposta se acontecer outra catástrofe já hoje. Em segundo lugar, o curto-médio prazo, que pode ser de cerca de um mês: garantir que se apuram as causas da catástrofe que ocorreu e que se tiram as devidas consequências. Em terceiro lugar, o médio prazo: deliberar que reforma do território florestal é necessária. Isso pode fazer-se até ao inverno, uma vez que ninguém acredita que uma reforma a sério se possa discutir num mês, e muito menos que se pudesse implementar a tempo dos fogos deste verão.

O que se viu no Parlamento nos últimos dias foi uma misturada de tempos que não pode ser bom agoiro. Ao mesmo tempo o Parlamento comporta-se como se fôssemos suspender os incêndios para irmos todos refletir, mas também que é preciso mostrar trabalho com decisões imediatas sobre regimes de propriedade florestal (que antes estavam paradas no parlamento e agora se discutem como se fossem acontecer já amanhã). Parecemos então fadados a discutir as próximas décadas no período de emergência para depois passarmos as próximas décadas a discutir as emergências e, no fim, discutirmos as responsabilidades políticas o tempo todo para tirar as devidas consequências em dia de São Nunca. Ora, se o Parlamento não consegue organizar a sua própria discussão parece pouco provável que consiga organizar o que quer que seja.

Se os líderes partidários e os deputados fizerem esta discussão preocupados com a maneira como a história os julgará, Portugal poderá reagir o melhor possível a uma situação terrível. Se os líderes partidários estiverem antes mais preocupados com a maneira como serão julgados pela plateia em tempo real, falharemos este teste. Há outros debates em que isso poderá não ser tão grave. Neste, seria imperdoável.

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