A credibilidade de um primeiro-ministro

Mais do que honrar um acordo, o que está em causa é o primeiro-ministro honrar a sua credibilidade ou perdê-la.

A credibilidade de uma pessoa depende da sua palavra de honra e da sua capacidade de honrar os seus compromissos. Um princípio que é válido quando falamos de política e de políticos.

Perante o aparente imbróglio criado pelo choque de interesses entre os parceiros do Governo na concertação social e os parceiros do mesmo executivo na maioria parlamentar de esquerda, António Costa prometeu honrar o acordo da concertação, sem – subentende-se – pôr em causa os compromissos com os partidos que lhe asseguram a base de apoio no hemiciclo de São Bento. Mais do que honrar um acordo, o que está em causa é o primeiro-ministro honrar a sua credibilidade ou perdê-la.

É certo que o acordo de concertação social, baseado no cumprimento da promessa de António Costa de aumentar o salário mínimo nacional para 557 euros mensais, em troca de dar aos empregadores o benefício da isenção fiscal de 1,25% da taxa social única (TSU), é um malabarismo político. E que este malabarismo político pode até ter um resultado perverso.

Por um lado, dignifica o valor do trabalho, ao aumentar o patamar legal mínimo de salários em Portugal. Por outro lado, retira parcialmente aos “patrões” a responsabilidade e os custos de suportarem esse aumento salarial. Na prática, em nada altera o modelo de baixos salários tradicional em Portugal. Mais, esta solução apenas delapida o financiamento da Segurança Social ou transfere a responsabilidade sobre os valores da isenção da TSU para o Estado, ou seja, para os contribuintes.

É certo que o BE e o PCP têm toda a legitimidade para estar contra a medida, até porque sempre o estiveram. E têm todo o direito de avocar o diploma ao Parlamento para aí tentarem a sua revogação. Mesmo o argumento de que assim podem estar a pôr em causa os acordos de maioria governativa não colhe, já que a descida da TSU não fez parte dos entendimentos assinados por estes partidos. Apenas o PEV incluiu no seu acordo com o Governo a exigência de que não houvesse recurso à baixa da TSU.

É igualmente certo que Pedro Passos Coelho tem direito de defender que o PSD não está obrigado a dar a mão ao Governo neste assunto e a ser ele a salvar a concertação social, quando o Governo tem parceiros de maioria que o sustentam no Parlamento. Não faz sentido governar com base num programa político em que a orientação é coordenada com o BE, o PCP e o PEV, e depois vir pedir apoio ao PSD para garantir um acordo de concertação social.

Passos Coelho tem mesmo direito a assumir que em nada, nem em nenhuma medida estará ao lado do Governo e que prefere fazer oposição sistemática, esperar que o Governo venha a patinar na eventual falência da sua estratégia de governação. E aguardar para ver se se concretiza a degradação dos indicadores económicos que considera que vai acontecer.

É certo também que o Presidente da República faça questão de ver honrado o acordo. Até porque se ele não se cumprir, se os patrões não receberem agora as isenções fiscais que lhes foram prometidas – seja na TSU seja sobre outra forma –, a concertação social ficará minada na sua confiança e será inviável supor que possam ser discutidos nos próximos tempos pontos negociais mais profundos e estabelecido diálogo proveitoso sobre a situação laboral em Portugal.

Tudo isto é política e faz parte da vida democrática. Mas neste puzzle que se montou em torno da TSU António Costa tem de saber encontrar a peça-chave que compõe e desvenda o quadro completo. E o quadro que António Costa precisa completar é o da sua credibilidade política. Não basta ser um habilidoso negociador e tirar do bolso soluções de última hora para surpreender o país, como foi o acordo de concertação social. Um bom negociador sabe que o seu sucesso vem da sua credibilidade e esta vive do cumprimento da palavra dada, ou seja, António Costa tem de honrar os acordos com os parceiros de maioria e, em simultâneo, honrar o acordo de concertação social.

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