Taylor Swift encenou na Luz o longo passeio pelo seu próprio passado

O fenómeno pop estreou-se em Portugal com um espectáculo cheio de refrães de encher o estádio. A duração ameaça tornar o concerto homogéneo; cabe aos tiros mais certeiros o contrabalanço.

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Taylor Swift estreou-se em Portugal e é muito provavelmente a figura mais poderosa da pop actual Nuno Ferreira Santos
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Ainda não acabou e já tem um documentário (um filme-concerto de quase três horas que pode ser visto na plataforma de streaming Disney+), ainda não acabou e já é a digressão mais rentável de sempre (fez história ao tornar-se a primeira a bater a marca dos mil milhões de dólares de receita). The Eras Tour, o longo passeio de Taylor Swift por um percurso que soma já 18 anos. Justifica o aparato mediático? O que tem de tão especial? Os fãs portugueses da estrela pop do momento — ou pelo menos aqueles que conseguiram, nas poucas horas em que houve ingressos disponíveis, comprar um bilhete para o concerto que a americana deu esta sexta-feira no Estádio da Luz, em Lisboa — já podem responder.

E pode ser que muitos comecem pela grande disponibilidade física da cantora e compositora, que nesta digressão brinda os “swifties”, como se autodenominam os seus fãs, com mais de três horas de concerto (na primeira noite na Luz, que volta a receber Taylor Swift este sábado para uma segunda dose, foram três horas e 20 minutos, quase tanto tempo como a duração do épico Ben-Hur). De uma ementa assim tão completa podem advir problemas, mas esta demonstração de vitalidade de um fenómeno no pico dos seus poderes é um brinde e tanto para os fãs que necessitaram de pôr algum dinheiro de lado para investir numa noite muito ansiada.

Para alguns deles, o dia não foi só de celebração. Por volta das 19h, três horas após a abertura de portas, uma quantidade significativa de portadores de bilhete ainda estava fora do estádio, um cenário provocado pelos atrasos na revista de segurança e ilustrado por múltiplos vídeos publicados nas redes sociais. Enquanto os Paramore, a banda de abertura, subiam ao palco (pouco mais de 45 minutos depois das 18h15, a hora originalmente marcada), havia fãs a derrubar as grades que os mantinham afastados do concerto. Quanto à primeira parte, o concerto foi relativamente funky e contou inclusive com uma versão de Burning down the house, dançante clássico dos Talking Heads que o grupo liderado por Hayley Williams gravou recentemente para um álbum de tributo à fulcral banda americana.

Os relatos partilhados na rede social Instagram, por exemplo, sugerem que todos terão entrado afinal a tempo da actuação de Taylor Swift, que naturalmente também sofreu um atraso. Viram um concerto cheio de refrães capazes de encher o estádio, coreografias ensaiadas com rigor e cenografias e figurinos que, juntamente com o repertório, ajudam Swift a revisitar as diferentes “eras” de um percurso artístico que se iniciou na country antes de, gradualmente, se expandir para a pop de massas, território do qual vai agora parecendo ser dona suprema.

Este foi o primeiro concerto da estrela pop em Portugal
Há quatro anos, a pandemia inviabilizou a sua actuação no Nos Alive
Swift volta a actuar no Estádio da Luz este sábado
Esta digressão é já a mais rentável de todos os tempos
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Este foi o primeiro concerto da estrela pop em Portugal

Para bom entendedor meia palavra basta, e os entusiasmados “swifties” reconheciam imediatamente a proveniência dos elementos visuais que iam sendo projectados na tela, ou das diferentes peças de roupa que Taylor ia experimentando. O som de passos dados por pés em sapatos de salto alto, complementado por imagens de serpentes: informação mais do que suficiente para saberem que estava na hora da visita ao venenoso Reputation (2017). O chapéu que surge no vídeo de 22, do já mais longínquo Red — álbum que também se fez representar, por exemplo, por We are never ever getting back together, juvenil e perfeitamente contagiante, ou por uma All too well de dez minutos, na fronteira entre a country e a pop rock intimista e vulnerável —, gerou aplausos e uma euforia que um simples adereço não costuma conseguir despertar.​

Os "swifties" são fãs dedicados, que sem surpresa conhecem quase todas as palavras de quase todas as diarísticas canções, facto que comprovaram esta sexta-feira ao passar mais de três horas a cantar com Taylor Swift. Não raras vezes, utiliza-se a palavra “devoção” para se descrever a relação dos muitos ouvintes mais apaixonados com a estrela pop. Quando, na “catedral” da Luz, ela levitava elevada por uma plataforma, era fácil cair na tentação de imaginar um altar.

Mais de 40 canções

Acompanhada não apenas pela sua banda como por uma trupe de bailarinos, protagonistas de certos momentos teatrais que aproximam o espectáculo de uma produção da Broadway (uma observação feita também pelo jornal britânico The Guardian a pretexto do primeiríssimo concerto desta digressão, em Março do ano passado), Taylor Swift apresentou mais de 40 canções, algumas em versões abreviadas. Houve direito a You belong with me (um regresso a Fearless, originalmente lançado em 2008), tragédia amorosa tornada catarse partilhada. Houve direito — discretamente — à harmónica saudosa de Betty, e ao piano à lareira de Champagne problems canção merecedora de um longo aplauso que pareceu ter comovido a cantora.

Houve também dramatismo, com a cantora a terminar Illicit affairs e a começar My tears ricochet ajoelhada no centro do palco, todos os olhos postos sobre ela, sempre, inevitavelmente. Houve fogo, bastante quente — tão quente que as pessoas nas bancadas, posicionadas a uma distância razoável do palco, conseguiram sentir no rosto o calor das chamas —, a tornar mais espectacular a amostra de Bad blood, que na versão de estúdio conta com uma aparição especial do rapper Kendrick Lamar. Houve Swift a cantar deitada sobre o telhado de uma cabana nas músicas da era Folklore/Evermore, dois álbuns mais ligados à indie folk que escreveu e lançou no início da pandemia; e um ambiente próximo do de um escritório para a canção The man, retirada de Lover.​

O concerto rondou as três horas e 20 minutos de duração
Foram apresentadas mais de 40 canções (algumas em versões abreviadas)
Outras (nomeadamente All too well) em versões mais longas
Imagem do público
Concerto dos Paramore
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O concerto rondou as três horas e 20 minutos de duração

Enquanto os bailarinos dançavam o número que estava preparado para 22 e disparavam confetti na direcção do público, Taylor Swift corria para abraçar uma menina que as câmaras captavam — armada quase até ao cotovelo com pulseiras feitas à mão, as tais “pulseiras da amizade” que os “swifties” trocam antes e após concertos, ofereceu uma delas à cantora. Na curta secção do espectáculo dedicada a “canções-surpresa” — a única que não está necessariamente vinculada a nenhuma “era” específica da artista e que se solta da rigidez de um alinhamento mais ou menos consistente de cidade para cidade —, sentou-se ao piano para, sem o acompanhamento da banda, estrear ao vivo Fresh out the slammer, do novo álbum The Tortured Poets Department, lançado há apenas um mês.

O perfeccionismo adquirido com os ensaios e os espectáculos prévios retira espaço à espontaneidade, que nunca costuma ter muita sorte no contexto de um concerto de estádio. E a ambição do espectáculo, embora louvável, é algo perigosa, com a duração a ameaçar, por vezes, homogeneizar o que se vai ouvindo. Tiros certeiros como Anti-hero ou Blank space (refrão irresistível, melodias viciantes, capazes de desfazer snobismos) têm a responsabilidade de contrariar esse risco.

Quatro anos depois de a pandemia ter inviabilizado a sua actuação no Nos Alive, Taylor Swift finalmente estreou-se em Portugal. É muito provavelmente a figura mais poderosa da pop actual: bate recordes como se fosse fácil, arrasta multidões consigo para onde quer que vá. O exército de fiéis em Portugal disse “presente”. E ela foi repetindo, ao longo do concerto, as palavras do costume: elogios ao melhor público de sempre, promessas de não repetir o erro de não ter visitado Portugal mais cedo. Não há grandes dúvidas de que, quando marcar o reencontro, os bilhetes voltarão a esfumar-se com a mesma rapidez. Resta saber se causou actividade sísmica.​

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