Devo dizer à minha amiga que acho que a filha adolescente dela a está a manipular?

Não é invulgar numa família que uma criança seja rotulada como a “má” e a outra como a “boa”. E, quanto mais problemática for uma criança, mais invisível a outra se torna.

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É provável que os “comportamentos de procura de atenção” de um adolescente sejam uma manifestação da sua própria agitação emocional dr/Eric Ward via Unsplash
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É evidente que a filha adolescente de uma amiga manipula a mãe. O outro irmão (é uma família de três, sem pai) afastou-se da mãe e da irmã. Como confidente próxima, não me sinto à vontade em apontar a causa óbvia, porque não é comigo e porque a mãe está tão cega pela sua necessidade de “ajudar” os comportamentos de procura de atenção da adolescente mais nova que nunca conseguiria ver as coisas como elas são.

A minha amiga está sempre sobrecarregada e exasperada com a sua filha adolescente e procura-me para desabafar e pedir conselhos. Alguma ideia sobre como lhe dizer a verdade que está à vista? O meu instinto diz-me que a minha amiga está a ser manipulada pela adolescente desde o divórcio. Sei que ela está a dar o seu melhor, mas preocupa-me a forma como o outro filho se sente agora e se sentirá no futuro.


Esta é uma situação difícil. É difícil estar do lado de fora e observar a dinâmica complexa de uma família, e é ainda mais difícil imaginar o que se passa na cabeça de três pessoas. Também precisamos de nos lembrar que, quando se trata das complexidades da família e do divórcio, a “verdade” pode ser ilusória.

Está a perguntar como dizer “a verdade” à sua amiga, mas gostaria que pensasse que não precisa de lhe dizer a verdade sobre nada. Pode manter-se no seu lugar, ouvir com compaixão, dar cinco minutos e avançar com a conversa.

Ao permitir que a sua amiga se queixe continuamente a si, ela não está a mudar o seu próprio comportamento nem está a apoiar nenhuma das crianças. Ela está a correr no seu lugar e você pode fazer parte do quebrar o ciclo.

A forma mais fácil de o fazer é dizer: “Amiga, gosto muito de ti e dos teus filhos e sei que estás a ter dificuldades. Os mesmos comportamentos continuam a acontecer e acho que está na altura de procurares alguém que compreenda os adolescentes, o divórcio e estes comportamentos.” Continue a repetir isto e imponha os seus limites; pode prejudicar um pouco a vossa amizade, mas pode acabar por conduzir a um bem maior.

Se ainda se sentir incomodada por não estar a ser honesta em relação ao comportamento da adolescente, considere a possibilidade de o que está a ver não ser a história toda.

Tente compreender esta criança em vez de a julgar. Se falar com qualquer adulto que se tenha portado mal na adolescência (especialmente depois de uma separação ou divórcio), raramente lhe dirá: “Tornei-me um idiota.” A maioria dos adultos dir-lhe-á que não sabia o que fazer com os seus sentimentos difíceis durante esses anos de adolescência — que se sentiam fora de controlo, sozinhos, assustados, ansiosos ou deprimidos.

É possível que esta adolescente esteja realmente a manipular a sua mãe, já em dificuldades. Mas é mais provável que os seus “comportamentos de procura de atenção” sejam uma manifestação da sua própria agitação emocional. Não é invulgar numa família que uma criança seja rotulada como a “má” e a outra como a “boa”. E, quanto mais problemática for uma criança, mais invisível a outra se torna. Isso não significa que uma esteja a sofrer mais ou menos do que a outra.

Quanto mais compreender porque é que a adolescente está a agir assim, mais provável é que a trate a ela e à mãe com compaixão.

Adquira a prática de fazer perguntas ponderadas à sua amiga, bem como validar a sua frustração, raiva e preocupação. Por exemplo, se a sua amiga se queixa: “A Tamara não pára de mentir sobre os trabalhos de casa e sobre onde esteve toda a tarde. Estou tão farta disto e não sei o que fazer, o que achas?”, pode responder à exasperação dela com o seu desgosto, ou pode dizer: “Isto é muito difícil, sei que estás preocupada. Deve ser assustador não saber onde ela está”, e depois ouvir.

Veja o rumo da conversa e acrescente: “Pergunto-me o que terá funcionado no passado para chegar a ela.” Pode indicar onde é que um limite pode ser útil, mas acho que o seu conselho não vai resultar. Continue a orientá-la no sentido de procurar ajuda profissional.

Finalmente, se estiver por perto, ofereça ajuda concreta. Leve o adolescente mais velho e mais calmo a jantar fora e mantenha a conversa leve. Ofereça-se para sair com os dois adolescentes e dar um descanso à mãe. Envie mensagens de texto aos adolescentes ou ofereça à mãe a possibilidade de a visitar com os filhos. Seja apenas uma amiga e não uma terapeuta de poltrona. Encontre o seu caminho e mantenha-se compassiva; esta família precisa de encontrar o seu caminho por si própria. Boa sorte.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Carla B. Ribeiro

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