Mamar? Já chega, não?

Será que na Europa do século XXI podemos substituir a amamentação sine die pela pílula?

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EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Ana,

estava a ler um artigo do PÚBLICO sobre as descobertas feitas a partir dos ossos dos nossos antepassados lisboetas, do tempo da ocupação romana. E, entre muitas conclusões extraordinárias, houve uma que me pareceu que te interessava, como especialista e advogada da amamentação — as mães de então só amamentavam até aos dois anos, o que surpreendeu as investigadoras porque em períodos subsequentes esse desmame é mais tardio.

E porquê? A tese é que provavelmente foi porque num período de prosperidade, como foi aquele, as mulheres queriam ter mais filhos e, para isso, paravam de dar de mamar. Ou seja, deixavam de fazer uso do contraceptivo natural que é a amamentação exclusiva, um truque fabuloso da natureza destinado a poupar as mulheres em tempos de fome, preservando simultaneamente a sobrevivência da criança.

Pronto, já que me portei bem até aqui, procurando ultrapassar os meus preconceitos contra bebés de dentição completa a mamar, por isso posso agora deixar-te uma provocação? Será que na Europa do século XXI podemos substituir a amamentação sine die pela pílula?

E já agora, Ana, esclarece-me, serve mesmo de contraceptivo ou é mais ou menos?


Querida Mãe,

Tem razão, essa descoberta é muito interessante! Mas, primeiro, deixe-me aplaudir o facto de a mãe da mãe ter escrito “as mulheres SÓ amamentavam até aos dois anos”, nunca esperei ouvi-la a dizer essa frase (estou-me a rir).

Na verdade, aparentemente uma das teses para explicar essa despedida mais precoce da amamentação, é a de que os homens romanos obrigavam as mulheres a parar para poderem recomeçar uma vida sexual mais activa e terem mais filhos. Existiam muitos preconceitos contra conjugar relações sexuais e amamentação.

Aparentemente, as classes mais altas, e a nobreza, começaram também a achar que amamentar era uma coisa “do povo”, contratando amas-de-leite para cumprir a “tarefa”, encarando a amamentação como uma coisa “menor”. Também tendo em conta que mesmo quando se amamenta em exclusivo, a fertilidade reinstala-se após cerca de dois anos, com o ressurgimento da menstruação, que seria considerada o sinal “natural” para parar.

Ainda assim, ainda que não haja uma resposta absoluta para qual seria a idade natural de desmame (sem a interferência cultural) há algumas pistas que a antropologia e a biologia nos deixam. Há quem acredite que, tal como outros animais, os seres humanos fariam um desmame quando o bebé atingisse quatro vezes o seu peso de nascença. Isto aconteceria, nos humanos, a por volta dos 2-3 anos de idade.

Agora, sobre as suas duas questões:

1. Sim, a amamentação em exclusivo funciona como um contraceptivo na medida em que previne uma ovulação, mas só pode ser considerado seguro se:

a) o bebé tiver menos de 6 meses e esteja a ser amamentado em exclusivo (nem fórmula, nem comida).

b) A mãe amamenta pelo menos de 4 em 4 horas durante o dia e a cada 6 horas durante a noite.

c) A mãe não está a ter menstruação.

Os estudos mostram que usado correctamente é um método tão eficaz como métodos hormonais como a pílula nos seis primeiros meses da vida do bebé, ou seja, uma eficácia de 98%.

Muitas mães ficam muito mais tempo sem menstruar, mas o risco aumenta e é preciso ter em conta que a ovulação, o período fértil, antecede o “sinal” da hemorragia, ou seja, não serve de preditor.

2. Mesmo na Europa do século XXI a amamentação continua a ser a melhor opção para o bebé e para a mãe. E continua a ser o método mais barato e mais eficaz de dar à criança tudo o que ela precisa. Se é a única hipótese? Não. Felizmente há alternativas boas e seguras. Mas o que é verdadeiramente necessário é dar à mulher informação cientificamente correcta e actualizada, bem como todo o apoio para que ela possa, realmente, escolher o melhor para a sua família. Sem culpa e sem julgamentos.

Nota: Mãe, tinha a certeza que a imagem de hoje a deliciaria — “Mãe a amamentar um bebé, na presença do pai”, um detalhe do sarcófago de Marcus Cornelius Statius, que morreu em criança. Vamos um dia ao Museu do Louvre, ver esta obra de arte ao vivo?

Beijinhos


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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