Israel: que futuro para um Estado formado por antigos europeus no Médio Oriente?

A única solução consentânea com os direitos humanos na Europa do pós-guerra teria sido assegurar que os judeus pudessem viver como cidadãos de pleno direito nos países europeus onde tinham nascido.

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O conflito religioso mais duradouro que atravessou a Europa ao longo dos últimos dois mil anos foi o que opôs cristãos a judeus. Este conflito surgiu com o período de estagnação económica que ocorreu durante os primeiros séculos do cristianismo, durante o qual a Igreja Católica proibiu aos cristãos o exercício da actividade de concessão de crédito, designada por usura, ficando essa actividade reservada aos mosteiros e aos únicos não-cristãos que na altura viviam na Europa: os judeus, que descendiam de emigrantes vindos da Judeia nos últimos séculos do Império Romano.

A Igreja proibia também aos cristãos ou, pelo menos dificultava, o acesso a actividades de comércio e outras profissões, como o exercício da medicina. Esta prática tinha como objectivo assegurar a disponibilidade de mão-de-obra necessária à produção agrícola e pecuária, mas tinha o efeito secundário de agravar a influência dos factores que dificultavam o desenvolvimento económico. Neste contexto, era natural que as comunidades judaicas, que se envolviam intensivamente no comércio e outras actividades, como a concessão de crédito, fossem mais prósperas do que as comunidades cristãs.

Assim se criou o ambiente propício à hostilidade dos cristãos para com os judeus, que se agravava sobretudo em períodos de crise económica, durante os quais uma parte significativa da população vivia grandes provações. Era essencialmente durante esses períodos que ocorriam as perseguições aos judeus, observadas em toda a Europa, de leste a oeste.

O holocausto levado a cabo pelo regime nazi é, pela sua contemporaneidade e dimensão, o caso de perseguição aos judeus que mais pesa na consciência europeia. Por isso se achou, e continua a achar, que a solução mais legítima para os judeus foi a criação de um Estado na região que, segundo as suas crenças religiosas, o desígnio divino lhes atribuiu como terra. Esses argumentos, que misturam história com mitos religiosos, e que estão na base do sionismo moderno, permitiram à Alemanha e a outros países, principalmente do leste europeu, ultrapassar, com uma boa dose de hipocrisia, a dificuldade em reintegrar grandes comunidades judaicas, no rescaldo da II Guerra Mundial.

Na verdade, a única solução consentânea com os valores de respeito pelos direitos humanos que se reafirmavam como um dos grandes pilares morais da Europa do pós-guerra, teria sido o empenho em assegurar condições para que todos os judeus pudessem viver tranquilamente como cidadãos de pleno direito, nos países europeus onde tinham nascido, e em condições de igualdade com os seus restantes compatriotas.

Em vez disso, foi incentivado um novo êxodo, desta vez para a Palestina, onde uma grande parte da população judaica foi envolvida na disputa pela ocupação dum território situado numa região onde a História parecia ter parado há vários séculos, apenas tendo sido perturbada pela Inglaterra, quando aí teve algum domínio, do século XIX até às primeiras décadas do século XX.

A história do moderno Estado de Israel tem sido dominada pelas guerras com os vizinhos, e pela tensão permanente com os palestinianos, com os quais a disputa de território é mais directa. O massacre de milhares de israelitas e o rapto de várias centenas, pelo Hamas, a que se seguiu o cerco de Israel a Gaza, e a sua previsível invasão, são os episódios mais recentes e, seguramente, dos mais trágicos, desse conflito permanente.

O acto terrorista do Hamas tem sido objecto da mais veemente condenação. No entanto, o cerco de Israel a Gaza tem-se também deparado com reservas de governos de países considerados amigos de Israel, devido à catástrofe humanitária que está a causar, e tem, sobretudo, recebido o sentimento de reprovação por parte da opinião pública desses países, que vê no cerco uma componente de vingança de que está a ser vítima toda a população de Gaza, e não apenas os membros do Hamas.

Quem observou a história mundial ao longo das últimas décadas, e teve uma atitude optimista em relação ao futuro da humanidade, quis acreditar certamente que o conflito israelo-palestiniano, após o desgaste de quase oito décadas de guerras e tensão permanente, acabaria por dar lugar a um acordo que permitisse a boa vizinhança entre os dois povos. Os acontecimentos recentes mostram que se está muito longe desse final feliz e, possivelmente, a caminhar na direcção oposta. Se tivermos também em conta a instabilidade política em Israel, nos últimos anos, e o facto de muitos dos seus cidadãos procurarem ter uma segunda nacionalidade, somos levados a pensar que os próprios israelitas não têm uma grande esperança num futuro de paz para o seu país.

O Médio Oriente é hoje uma zona de influência dos Estados Unidos e muito pouco da Europa. Por isso, os grandes acordos que permitiram alguns períodos prolongados de paz no Médio Oriente foram celebrados sob a influência dos Estados Unidos: os Acordos de Camp David entre Israel e o Egipto, em 1978, patrocinados por Jimmy Carter, e os Acordos de Oslo, entre Israel e a Autoridade Palestiniana, em 1993, durante a presidência de Bill Clinton. A possibilidade de encontrar uma solução, mesmo que temporária, para o conflito que envolve este país, criado por antigos europeus, e os povos da sua vizinhança, não está nas mãos da Europa (provavelmente nunca esteve) e mesmo para os EUA é, neste momento, um problema muito difícil de resolver.

Por outro lado, a ligação dos israelitas à Europa, através da dupla nacionalidade, é muito ténue, e não dá protecção quando a violência regressa, como a realidade actual está a demonstrar.

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