Ohio rejeita proposta republicana que podia blindar proibição do aborto

Grande mobilização num referendo motivado por uma proposta de lei do Partido Republicano mostra que o direito ao aborto pode ser um tema de campanha decisivo nas eleições de 2024.

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Manifestantes a favor do direito ao aborto no Ohio Reuters/MEGAN JELINGER
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Um número invulgar de eleitores do Ohio deslocou-se às mesas de voto, na terça-feira, para rejeitar uma proposta de lei do Partido Republicano, sujeita a validação popular, que teria como consequência provável a blindagem de uma proibição quase total do aborto naquele estado norte-americano.

Em causa estava um referendo que foi convocado de forma automática em Maio, quando a maioria republicana na assembleia legislativa do Ohio (a Câmara dos Representantes e o Senado) decidiu apertar os critérios para a introdução de alterações à Constituição estadual por iniciativa popular — uma proposta de lei que teria de ser validada em referendo.

Se o "sim" tivesse ganho na votação de terça-feira, qualquer alteração à Constituição do Ohio por proposta dos cidadãos precisaria de um mínimo de 60% dos votos para ser aprovada, muito acima dos 50% exigidos até agora; nesse cenário, seria já com a nova fasquia de 60% que os eleitores regressariam às mesas de voto, em Novembro, para dizerem se querem que a Constituição local passe a ter uma cláusula de protecção do direito ao aborto.

Segundo as sondagens, o apoio à cláusula constitucional que vai a votos em Novembro fica aquém dos 60%, e essa fasquia só foi atingida em um terço dos referendos deste tipo realizados no Ohio em mais de um século.

Numa altura em que estão contados 98% dos votos, o "não" à proposta votada na terça-feira ganhou com 57%, contra 43% do "sim" — o que se traduz numa diferença de quase 430 mil votos (1.744.094 contra 1.315.346) a favor da reprovação da proposta republicana.

A participação de mais de três milhões de eleitores na votação de terça-feira contrasta com os 1,6 milhões de votos contados em todas as eleições primárias realizadas no Ohio em 2022, incluindo as eleições no Partido Republicano e no Partido Democrata para o Senado e a Câmara dos Representantes dos EUA e para governador do estado, entre outras.

A vitória esmagadora do "não" a uma proposta republicana — num estado que passou a ser marcadamente republicano desde a eleição de Donald Trump, em 2016, e em que os congressistas conservadores têm hoje uma maioria à prova do veto do governador — é reveladora da mobilização do eleitorado norte-americano à volta do tema do aborto, um ano depois de o Supremo Tribunal dos EUA ter revertido o direito constitucional ao aborto no país, e a 15 meses de importantes eleições para a Casa Branca e para o Congresso.

No Verão de 2022, o Supremo Tribunal dos EUA reverteu um entendimento que vigorou durante meio século, segundo o qual a Constituição do país protegia o direito ao aborto. A nova decisão devolveu a cada estado a responsabilidade de legislar como entender.

Desde então, o acesso ao aborto tem sido alvo de fortes restrições nos estados de maioria republicana e de maior protecção nos estados de maioria democrata; em ambos os casos, a alteração das leis estaduais que estavam em vigor antes da decisão do Supremo dos EUA é feita através de uma votação nas assembleias legislativas de cada estado, mas os opositores do aborto nos estados mais conservadores podem ter o seu trabalho dificultado se as Constituições locais tiverem uma cláusula de protecção do direito ao aborto — o que impede os congressistas republicanos de irem tão longe quanto gostariam, ou os força a tentarem alterar a Constituição, como foi o caso no Ohio.

Em 2022, a maioria republicana do Ohio aprovou uma proposta de lei que proíbe o aborto a partir das seis semanas da gravidez na generalidade dos casos, mas essa decisão foi contestada em tribunal e ainda não existe um veredicto definitivo.

Em Maio, em antecipação do referendo constitucional que foi prometido pelos defensores do direito ao aborto, os congressistas conservadores decidiram apertar as regras para a aprovação de alterações constitucionais por iniciativa dos cidadãos.

Além da subida de 50% para 60%, a proposta rejeitada na terça-feira exigia que os proponentes dos referendos fossem obrigados a recolher um número mínimo de assinaturas nos 88 condados do Ohio, e não apenas em 44; e que deixassem de poder corrigir eventuais erros nas assinaturas.

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