A construção da profissionalidade docente: pela valorização da formação inicial de professores

Desvalorizar esta formação, enveredando por medidas avulsas e pelo facilitismo da formação acelerada, é um erro que a Escola Pública e o país pagarão a curto prazo.

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Segundo notícias recentes, o Governo prepara requisitos mínimos para que licenciados de diferentes áreas possam poder aceder aos mestrados que dão habilitação para a docência.

A Fenprof sempre considerou que a Formação Inicial de Professores não pode ser encarada de ânimo leve, uma vez que é uma função muito complexa, pois o que se pretende é que esta habilite profissionais que nas escolas, junto dos seus alunos, contribuam para a afirmação de valores e que desempenhem a sua profissão com autonomia.

Isto implica que a Formação de Professores tem de abarcar, obrigatoriamente, um conjunto de dimensões tais como: a dimensão profissional social e ética, as questões do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, da participação na escola e relação com a comunidade envolvente, o desenvolvimento profissional e outras.

Assim, é fundamental olhar de forma muito séria para a Formação Inicial o que, no entender da Fenprof, não tem acontecido e essa falta de visão estratégica pode ser assacada tanto ao atual Governo como aos anteriores.

Desvalorizar esta formação, para dar resposta a um problema que já se está a tornar estrutural, que é a falta de professores, enveredando por medidas avulsas e pelo facilitismo da formação acelerada, é um erro que a Escola Pública e o país pagarão a curto prazo.

O diagnóstico já foi feito há muito tempo: Portugal é o país da Europa com o corpo docente mais envelhecido e também é público que, até 2030, cerca de 60% destes profissionais se vão aposentar por limite de idade.

Estudos recentes referem, também, que para colmatar esta saída de docentes será necessário recrutar mais de 34 mil professores nos próximos sete anos. Também é sabido que na última década, o número de alunos inscritos em licenciaturas na área da formação de professores diminuiu significativamente, apontando os dados para uma quebra de 18% na última década.

O Ministério da Educação criou em 2022 um grupo de trabalho cujo objetivo era apresentar propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, o qual regulamenta o regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. A ideia é que surgissem propostas que permitissem um acesso mais flexível e eficaz aos mestrados de ensino.

É importante recordar que o ministro João Costa afastou, deliberadamente, as estruturas sindicais deste grupo de trabalho, não permitindo, sequer, que fossem ouvidas. É público que este grupo já terminou a tarefa para a qual tinha sido incumbido, com conclusões já enviadas ao ME. No entanto, que se saiba, estas ainda não foram divulgadas publicamente, o que tem criado algum desconforto em elementos deste grupo de trabalho e também nas Instituições de Ensino Superior que formam professores e que precisam de, atempadamente, programar as suas atividades.

Deve recordar-se, ainda, que foi o próprio Ministério da Educação a propor, em abril de 2021, numa reunião com a Fenprof, à margem da ordem de trabalhos, a elaboração de um parecer sobre a Formação Inicial de Professores. A Fenprof enviou o parecer, mas nunca obteve resposta. É de salientar que, por essa altura, era o atual ministro ainda secretário de Estado e esteve presente na mesma reunião.

Em todas as reuniões realizadas com o ME, este assunto foi sempre colocado em cima da mesa, mas João Costa manteve a mesma postura, a de excluir a Fenprof da discussão, impedindo, assim, qualquer possibilidade de podermos apresentar soluções para o que consideramos uma questão nuclear e dos um dos vetores fundamentais para a construção da profissionalidade docente e da qualidade do serviço educativo que é a Formação Inicial de Professores.

Também na área da Formação Inicial de Professores, o diagnóstico está feito há muito tempo, em resultado da avaliação externa já realizada às Instituições de Ensino Superior que ministram estes cursos. Em relatório, refere-se um conjunto de constrangimentos dos quais se podem destacar os seguintes: o quadro legal que enquadra esta formação, nomeadamente nas suas condições estruturais, é limitante e com isso retira autonomia às IES; a ausência da definição institucional de um modelo de Formação, o que implica uma desarticulação entre as ofertas que as várias IES oferecem nesta área; a insuficiente incorporação das TIC junto destes alunos; a falta de especialização de muitos formadores; a insuficiente investigação nesta área; e ainda o reduzido tempo destes formandos em sala de aula, em contexto real.

Estas questões poderiam ser resolvidas, o que implicaria a reconfiguração e a articulação dos currículos de formação inicial, a intensificação do investimento nos docentes do ensino superior que formam professores, o investimento nos orientadores cooperantes que, nas escolas, recebem estes estagiários, com a consequente redução da sua carga letiva. Implicaria, também, o retorno da remuneração do período de estágio como já o foi noutros tempos, tendo sido extinto no “consulado” de Maria de Lurdes Rodrigues.

Mas tudo isto desagua numa questão que é central, ou seja, uma carreira e uma profissão extraordinariamente desvalorizadas, um corpo docente exausto e envelhecido, que se sente profundamente desrespeitado, desvalorizado e injustiçado, com níveis já muito elevados de exaustão emocional e de stress profissional.

Este é o desafio central, como atrair jovens para a profissão e como evitar que milhares a abandonem.

A isto o ministro João Costa não responde, não quer responder e, quando o faz, é sempre de forma leviana, irresponsável e acusatória.

Foi assim que conduziu neste último ano todos os processos da suposta negociação com as estruturas sindicais.

Um ministro que consciente ou inconscientemente vira as costas à Escola Pública.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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