Eutanásia: primazia ao suicídio assistido e definição de sofrimento sem variantes

Texto concertado entre PS, IL, Bloco e PAN vai ser discutido na sexta-feira durante meia hora e votado em plenário. Isabel Moreira acredita que há “condições de conforto” para o Presidente promulgar.

Foto
Deputados vão deixar cair as especificações do sofrimento físico, psicológico e espiritual LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Confirma-se: o novo texto para a legalização da morte medicamente assistida prevê que esta só possa ocorrer por eutanásia quando for impossível ao doente administrar a si próprio os fármacos, ou seja, cometer suicídio assistido. As alterações ao decreto que foi chumbado pelo Tribunal Constitucional serão discutidas e votadas nesta sexta-feira, e também recuperam a primeira versão do conceito de sofrimento, deixando assim cair os critérios de sofrimento físico, psicológico e espiritual.

O novo texto foi concertado nas últimas semanas pelos deputados do PS, IL, BE e PAN, que tiveram de ir mais além do que dizia a socialista Isabel Moreira em Janeiro, aquando da declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, que antevia que se trataria de alterações "cirúrgicas".

Tal como o PÚBLICO noticiou há duas semanas, na prática, inverte-se o princípio que esteve sempre subjacente ao diploma, passando agora a dar primazia ao suicídio medicamente assistido, em que o doente faz a si próprio a administração dos fármacos letais na presença do médico, em vez de à eutanásia, em que os fármacos são administrados ao doente pelo profissional de saúde.

"A morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente", estipula agora o texto, que opta por uma solução inédita a nível mundial. Não há, no entanto, qualquer referência sobre quem atesta essa incapacidade física do doente.

A subsidiariedade tinha sido, aliás, uma recomendação de metade dos juízes do TC nas suas declarações de voto, deixando o aviso de que se se mantivesse um regime sem subsidiariedade o texto corria o risco de voltar a ser considerado inconstitucional. A socialista Isabel Moreira admite mesmo que a "leitura cruzada" do acórdão e das declarações de voto levou os deputados a "antecipar" essa "exigência implícita".

No que diz respeito ao conceito de sofrimento, a opção foi retomar a definição consagrada no segundo texto (vetado pelo Presidente da República em Janeiro de 2021), acabando-se com as suas diversas vertentes. Assim, sofrimento de grande intensidade é descrito como o "sofrimento decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa".

Numa declaração escrita enviada ao PÚBLICO, a deputada socialista Isabel Moreira, responsável pela redacção destas alterações, assinala que o TC "entendeu que a expressão 'sofrimento físico, psicológico e espiritual' não clarifica se estamos perante uma situação de alternativa ou de cumulação. Isto porque considerou, ao contrário do legislador, 'sofrimento' como sinónimo de dor física. Para o legislador, sofrimento físico não se confunde com dor física, mas temos de respeitar o TC".

Como alguns juízes consideravam o "e" alternativo e outros acumulativo, os deputados optaram por regressar ao "conceito de sofrimento sem adjectivos, já legitimado pelo TC", justifica Isabel Moreira.

Em jeito de desafio, a deputada diz acreditar que agora "estão criadas as condições de conforto para uma promulgação" por parte do Presidente da República. A deputada realça até que "a maioria dos juízes se pronunciou a favor da morte medicamente assistida" e que vários "defenderam um direito fundamental a uma morte autodeterminada".

Sugerir correcção
Ler 16 comentários