Eutanásia relegou suicídio assistido para segundo plano, lamentam cinco juízes do TC

Cinco dos seis juízes que chumbaram o decreto apontaram outras inconstitucionalidades nas suas declarações de voto — que poderão vir a ser consideradas em futuras análises do TC.

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Por um voto, os juizes do TC chumbaram a lei da morte medicamente assistida LUSA/MANUEL ALMEIDA

Seis juízes do Tribunal Constitucional criticaram o facto de a análise do decreto sobre a morte medicamente assistida não ter abordado a questão de o suicídio assistido (a auto-administração dos fármacos pelo doente) ser secundarizado em relação ao método da eutanásia (auxílio à morte através da acção de terceiros), quando deveria ser ao contrário.

Consideram mesmo que isso é motivo de inconstitucionalidade, porque são questões que protegem de forma desigual os direitos à vida e à autodeterminação sobre o fim da vida. Tendo em conta que cinco dos juízes que deixam o aviso votaram agora pela inconstitucionalidade, se a questão não for alterada, o novo texto arrisca, a prazo, outro chumbo.

Defendem estes juízes, em vez de fazer a “parificação” dos dois conceitos, a lei deveria considerá-los alternativos, mas de forma “subsidiária”, pondo a eutanásia num patamar subordinado em relação ao suicídio, em que o doente só recorresse à ajuda de terceiros (eutanásia activa directa) quando não pudesse ou recusasse determinantemente uma primeira opção de suicídio medicamente assistido.

De acordo com as declarações de voto que acompanham o acórdão, pelo menos cinco dos sete juízes que votaram pela inconstitucionalidade da norma que regula o conceito de sofrimento discordam da parificação entre suicídio e eutanásia, assim como José João Abrantes, que votou pela constitucionalidade. Não há, no entanto, consenso sobre se o TC podia ou não abordar esse assunto, por não estar explicitamente no pedido do Presidente da República.

Falta o “direito de optar”

No texto que a Assembleia da República aprovou e foi enviado para o Tribunal Constitucional, a morte medicamente assistida pode ser concretizada através de suicídio medicamente assistido ou pela eutanásia.

“A lei [devia] conceder ao requerente o direito de optar, em todos os casos, entre o suicídio medicamente assistido – mediante auto-administração de fármacos letais – e a eutanásia activa directa – mediante administração por profissional de saúde, − em vez de condicionar a segunda hipótese aos casos em que a primeira se mostre inviável”, defende Gonçalo Almeida Ribeiro.

“O suicídio tem sobre a eutanásia a vantagem indiscutível de consubstanciar uma garantia acrescida de firmeza da vontade de morrer (…). A exigência de que a pessoa pratique o acto [de administração dos fármacos letais] confronta-a com a decisão de morrer até ao último momento, impedindo-a de se refugiar na exterioridade das palavras e no curso dos acontecimentos para aliviar a ‘dor de pensar’.”

O juiz salienta que nos países que só admitem o suicídio assistido muitos doentes acabam por se abster de pôr termo à vida, e que nos países em que se pode optar entre os dois métodos, os casos de suicídio são residuais.

“Ao parificar as duas formas de morte medicamente assistida, o legislador trata de modo igual o que não é comparável”, escreve Afonso Patrão. “No suicídio medicamente assistido, o acto da morte auto-infligida expressa a firmeza da decisão autodeterminada, confirmando a seriedade e actualidade da vontade em morrer, em realização da autonomia pessoal do indivíduo. A eutanásia, por oposição, materializa uma heterolesão [lesão infringia por terceiros] da vida, fora do domínio do seu titular, que ocorre depois do último momento em que a pessoa pôde confirmar o seu consentimento.”

Opinião partilhada por José Teles Pereira, que vinca que a eutanásia “é mais permeável do que o suicídio assistido à ocorrência de ‘falsos positivos’”. E Pedro Machete também assinala que, no suicídio medicamente assistido, “o controlo do procedimento – e a inerente responsabilidade – permanece até ao fim do lado da pessoa que pretende morrer”.

José João Abrantes defende mesmo que a eutanásia só deve ser autorizada “nas situações em que o doente não é fisicamente capaz de auto-administrar o medicamento”. João Pedro Caupers, presidente do TC, também alinha pelo argumento de que “o recurso à eutanásia deve estar condicionado à impossibilidade do suicídio assistido”. E identifica ainda uma outra inconstitucionalidade: retirar os termos “fatal” e “antecipação” da morte alarga o leque de casos admissíveis.

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