Relações entre a China e os EUA em desgaste acelerado

Desde o início do ano, uma sucessão de episódios tem degradado ainda mais o relacionamento entre as duas potências. Taiwan é o ponto fundamental onde a tensão se acumula.

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Joe Biden encontrou-se com Xi Jinping em Novembro, na Indonésia Reuters/KEVIN LAMARQUE

Ao fim de um ano de invasão russa na Ucrânia, o papel da China no conflito europeu passou a estar subitamente no centro de um escrutínio maior. Para já, o resultado é uma degradação acelerada das relações entre Washington e Pequim, de que a guerra parece ser apenas mais um capítulo.

A reunião anual do Congresso Nacional do Povo, uma data marcante no calendário político do Partido Comunista Chinês, acontece numa altura em que a rivalidade estratégica entre a China e os EUA parece estar a intensificar-se a vários níveis. Desde o início do ano, foram várias as arenas de desentendimento entre as duas potências.

O episódio mais recente é também a repetição de um dos mais comuns. Na quinta-feira, o Ministério da Defesa de Taiwan disse ter detectado 29 aeronaves e quatro navios chineses em violação do seu espaço aéreo e das suas águas territoriais, respectivamente, em apenas 24 horas.

Ao todo, durante a semana inteira, o Exército do Povo chinês enviou 68 aviões e dez navios para as proximidades da ilha reivindicada por Pequim em resposta ao sobrevoo de um avião de reconhecimento norte-americano pelo Estreito de Taiwan, segundo o South China Morning Post.

A ilha que o regime de Xi Jinping ambiciona fazer regressar à China, e que os EUA prometeram defender em caso de ataque, é o grande foco de tensão entre Washington e Pequim, mas a rivalidade das duas potências estende-se praticamente a todo o globo.

Guerra e balões

A apresentação da posição oficial da China para a resolução da “crise ucraniana” – expressão utilizada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês para enquadrar a invasão – na semana passada foi recebida com fortes críticas em Washington. Ao longo do primeiro ano da ofensiva russa sobre a Ucrânia, a China tentou manter-se afastada das discussões, trilhando um equilíbrio complexo.

Se, por um lado, teve de regular um nível de apoio suficiente para que a Rússia não ficasse totalmente isolada internacionalmente, por outro, esse suporte não poderia interferir com a ambição de Pequim em apresentar-se como uma das poucas potências mundiais não comprometidas com um dos lados em confronto.

O plano chinês simboliza essa difícil tarefa de fazer uma quadratura do círculo. Talvez por isso o documento seja tão parco em oferecer soluções concretas para que seja alcançada uma solução para o conflito, como o que fazer em relação aos territórios anexados, ao estatuto geopolítico da Ucrânia ou à presença de forças militares russas no país vizinho.

“A guerra na Ucrânia teve um papel crucial na deterioração das relações entre a China e a Europa”, disse ao Financial Times o professor da Universidade Tecnológica de Nanyang em Singapura Li Mingjiang. “Agora eles querem fazer alguma coisa para contrariar isso”, acrescentou.

Sem condenar abertamente a invasão, a China defende a integridade territorial e a soberania das partes envolvidas, mas não deixa de criticar o “fortalecimento” e a “expansão dos blocos militares”. A publicação da posição chinesa, dias depois de o chefe da diplomacia da China, Wang Yi, ter visitado Moscovo, onde foi reafirmada a “amizade sem limites” entre os dois países, foi recebida friamente em Washington e nas capitais europeias.

A Administração de Joe Biden tem vindo a aumentar a pressão sobre a China, não deixando passar um dia sem recordar que o fornecimento de armamento letal à Rússia será encarado com gravidade.

Antes, a destruição de um balão que sobrevoava os EUA suspeito de estar a espiar para a China, a que se sucederam outros episódios idênticos nos dias seguintes, já tinha contribuído para aumentar o mal-estar entre Washington e Pequim. O resultado mais patente foi o adiamento da visita do secretário de Estado, Antony Blinken, à China.

Em Washington, a percepção do risco representado pela ascensão da China parece ser um dos poucos temas que une democratas e republicanos. Esta semana, reuniu-se pela primeira vez uma comissão do Congresso que ao longo dos próximos meses se vai debruçar em exclusivo sobre os desafios que a competição com Pequim traz aos EUA.

“Não se trata de um jogo amigável de ténis – isto é um combate existencial sobre como será a vida no século XXI, e as liberdades mais fundamentais estão em jogo”, disse o presidente da comissão, o republicano Mike Gallagher, citado pela Reuters, na abertura dos trabalhos. No mesmo dia, uma outra comissão aprovou um pacote de sanções económicas que visam dirigentes e entidades ligadas ao PCC.

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