Consumo não resistiu à inflação e caiu no final do ano passado

Consumo privado caiu 0,5% no quarto trimestre do ano, a primeira vez que tal acontece desde o início de 2021. Investimento ajudou economia a evitar contracção.

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Bens alimentares continuam a ser os mais afectados pela subida dos preços. Paulo Pimenta

No quarto trimestre do ano passado, o impacto da inflação alta fez sentir-se junto das famílias portuguesas e o consumo privado registou uma contracção, algo que já não acontecia desde o início de 2021, quando Portugal estava a ser atingido por mais uma vaga da pandemia. Ainda assim, as outras componentes do PIB permitiram evitar que a economia portuguesa entrasse em recessão, divulgou esta terça-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE) na segunda estimativa das contas nacionais do quarto trimestre de 2022.

Os valores estimados para a variação total do PIB nesse período foram revistos ligeiramente em alta. No início de Fevereiro, na sua estimativa rápida, o INE apontava para um crescimento em cadeia do PIB português no quarto trimestre de 0,2%, um valor agora corrigido para 0,3%. De igual modo, a estimativa para a variação homóloga do PIB no quarto trimestre passou de 3,1% para 3,2%. Ainda assim, não houve alteração na estimativa do INE para a variação do PIB no total do ano de 2022, que se manteve nos 6,7%.

Se, na estimativa rápida divulgada há algumas semanas, o INE não dava ainda detalhes sobre a forma como as diversas componentes do PIB se comportaram nos últimos meses do ano passado, agora já é possível chegar à conclusão de que o crescimento ligeiro conseguido nesse período aconteceu num cenário de quebra daquela que é a principal componente do PIB, o consumo das famílias.

De facto, de acordo com os dados agora publicados pelo INE, o consumo privado registou, entre o terceiro e o quarto trimestres de 2022, uma contracção de 0,5%. Este é um resultado pouco habitual neste indicador e que, nos últimos cinco anos, apenas tinha sido possível observar nos trimestres em que o país foi afectado pela pandemia, com medidas de confinamento apertadas que limitaram a capacidade das famílias para consumir.

É necessário recuar sete trimestres, até aos primeiros três meses de 2021, para encontrar outra variação em cadeia negativa do consumo privado em Portugal. Nessa altura, este indicador foi afectado pelo facto de terem voltado a ser decretadas medidas de confinamento apertadas para fazer face a uma nova vaga da pandemia.

Agora, aquilo que leva o consumo das famílias a contrair-se é algo completamente diferente. Depois de, ao longo de 2022, os portugueses terem revelado alguma capacidade para aumentar as suas despesas, tendo o consumo privado crescido 1,4% no primeiro trimestre e 0,7% e 1,1% no segundo e terceiro, respectivamente, na fase final do ano o forte aumento de preços a que se tem assistido acabou por pesar negativamente nas suas decisões de consumo.

Com os preços a subirem mais do que as remunerações, a poupança acumulada durante a pandemia a esgotar-se e a incerteza em relação ao futuro também a pesar, os portugueses cortaram não só nos bens duradouros (-1%), mas também nos bens não-duradouros (-0,4%), com destaque para a quebra de 2,3% registada nos bens alimentares (os bens alimentares, em conjunto com os energéticos, têm sido aqueles onde o efeito da subida da inflação mais se tem sentido).

Mesmo assim, apesar desta quebra do consumo privado, a economia portuguesa, que no terceiro trimestre do ano tinha crescido 0,3%, conseguiu manter o mesmo ritmo no quarto trimestre. Isto aconteceu graças a um desempenho melhor do investimento e a um contributo mais positivo das exportações líquidas.

O investimento, que tinha registado quedas preocupantes no decorrer dos segundo e terceiro trimestres, voltou nos últimos três meses de 2022 a taxas de crescimento positivas, com uma variação em cadeia de 2,2%. Os investimentos em equipamento de transporte, com um aumento de 10%, e em construção, com uma subida de 3,3%, foram os que mais contribuíram para este desempenho.

Já na frente externa, tanto as exportações como as importações abrandaram, num cenário de redução do ritmo da actividade económica tanto em Portugal como no estrangeiro. Ainda assim, se no terceiro trimestre as importações tinham crescido mais do que as exportações, no quarto aconteceu o inverso, com as importações a estagnarem e as exportações a aumentarem 0,2%. Isto permitiu que o contributo das exportações líquidas (exportações menos importações) para o crescimento em cadeia do PIB tivesse melhorado ligeiramente.

Para o decorrer de 2023, a evolução do consumo privado, num cenário em que a inflação está a descer, embora ainda a níveis elevados, será decisivo para perceber se a economia portuguesa será capaz de evitar uma recessão, tal como é actualmente previsto pela generalidade das instituições nacionais e internacionais.

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