Human Rights Watch culpa Rússia por ataque mortífero à estação de Kramatorsk

Forças russas usaram armas de fragmentação contra uma multidão de civis, acusa organização. Estas armas matam e ferem indiscriminadamente.

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Pelo menos 58 pessoas morreram no ataque à estação MINISTRY OF DEFENCE OF UKRAINE/Reuters

Primeiro ouviu-se um estrondo forte, que não se parecia com as outras explosões. Depois houve um silêncio curto. Por fim começou a ouvir-se como que um assobio, o som de algo que se aproxima a grande velocidade. “Saltei para debaixo do banco e deitei-me de lado. Se não tivesse ouvido aquele som, não me teria escondido e podia ter morrido.”

A 8 de Abril de 2022, Vladislav Kopichko era uma das mais de 500 pessoas que estavam na estação de Kramatorsk à espera de um comboio que as levasse da região de Donetsk, no Leste da Ucrânia, para longe da frente de batalha. Pelas 10h28, o local foi atacado com bombas de fragmentação. “Enquanto estava debaixo do banco ouvi mais uma explosão e depois mais dez explosões”, relata Vladislav. Ao levantar-se, reparou que ao seu lado estava um homem morto e que ele próprio tinha ferimentos nas costas, na bacia e nas nádegas.

No ataque à estação de Kramatorsk morreram pelo menos 58 pessoas e mais de 100 ficaram feridas, fazendo deste um dos bombardeamentos mais mortíferos para civis desde o início da invasão russa, há um ano. A Ucrânia acusou a Rússia, que negou responsabilidades e disse que foram os ucranianos que montaram “uma provocação”.

Num longo relatório divulgado esta terça-feira, a Human Rights Watch (HRW) afirma que “as provas indicam fortemente que o míssil que matou e feriu civis na estação ferroviária de Kramatorsk foi disparado a partir de território controlado pela Rússia no Leste da Ucrânia”. A organização não-governamental acusa a Rússia de ter cometido um crime de guerra.

Vladislav Kopichko foi uma das 69 pessoas que a HRW ouviu em Maio do ano passado, quando uma equipa se deslocou a Kramatorsk para investigar o ataque. Foram ainda analisados mais de 200 vídeos e fotografias do local, imagens de satélite e zonas anteriormente ocupadas por soldados russos. A organização acredita ter identificado o sítio de onde o míssil foi lançado, em Kunie, na região de Kharkiv.

No ataque à estação foi usada uma bomba de fragmentação: um míssil balístico Tochka-U – que tanto a Rússia como a Ucrânia têm nos seus arsenais – transportando cerca de 50 explosivos lá dentro. As armas de fragmentação têm alvos indiscriminados, uma vez que rebentam no ar e espalham as bombas mais pequenas por uma área de grandes dimensões. Muitas não explodem imediatamente e mantêm-se como um perigo durante anos. Existe uma convenção da ONU que proíbe o seu uso, mas nem a Rússia nem a Ucrânia são signatárias.

“Entre 14 e 19 de Maio, a HRW identificou 32 locais de impacto distintos em que as munições caíram e detonaram, incluindo no terreno em redor da estação ferroviária, no telhado da estação, nas plataformas, junto às lojas próximas e no parque de estacionamento a Leste da entrada principal da estação”, diz o relatório. As marcas de impacto espalhavam-se “por uma área de aproximadamente 55 mil metros quadrados, equivalente a quase dez campos de futebol.”

Junto a Kunie, que fica perto de Izium, a organização esteve num local que durante a ocupação russa foi usado como base militar. Imagens de satélite e fotografias do ano passado parecem mostrar o armazenamento de mísseis Tochka-U. “Eles carregavam-nos, depois conduziam para os campos ou florestas aqui perto e disparavam a partir de lá. Ouvi vários lançamentos”, disse à HRW um morador da zona, que preferiu manter-se anónimo.

Com base em vídeos e fotografias da estação, a HRW concluiu que em Kramatorsk não havia “ninguém a usar uniformes militares” nem “equipamento ou veículos militares” no momento do ataque. “Mesmo que uso da estação e das instalações ferroviárias em Kramatorsk fosse para fins militares, o ataque de 8 de Abril teria sido ilegalmente desproporcionado”, lê-se no relatório. “Bombardear uma estação de comboios de manhã, quando estava cheia de passageiros civis, famílias e trabalhadores, em vez de o fazer à noite, quando estaria bem menos cheia, demonstra desrespeito pelas vidas dos civis”, acusa a HRW.

Esta não é a primeira vez que a organização acusa a Rússia de recorrer a armas de fragmentação na Ucrânia. Isso terá acontecido logo nos primeiros dias de guerra em Kharkiv, por exemplo. “Os efeitos brutais das armas de fragmentação em aglomerações de pessoas deviam ser uma mensagem clara para que as forças russas parem de usar essas armas proibidas”, declarou Richard Weir, investigador da HRW.

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