Centenas de leões-marinhos mortos por gripe das aves no Peru

É o segundo surto nos últimos meses de infecções em massa em mamíferos. A transmissão do vírus H5N1 terá tido origem em aves selvagens, mas cientistas não descartam contágio entre os leões-marinhos.

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Dois leões-marinhos-da-Patagónia dormem uma sesta no estreito de Beagle, na Argentina Carlos Ponte

Mais de 600 leões-marinhos foram encontrados mortos nas praias do Peru durante o mês de Janeiro e os primeiros dias de Fevereiro de 2023. Algo que nunca tinha sido observado na região, noticia o jornal espanhol El País. O surto já tem um culpado identificado: o vírus da gripe das aves (do subtipo H5N1), que terá saltado de aves marinhas infectadas para estes mamíferos.

Há outra hipótese lançada pela equipa de investigação que analisou estes casos no Peru: este vírus poderá ter "aprendido", mais uma vez, a transmitir-se de mamífero para mamífero. O mesmo já tinha sido avançado, também pelo El País, no final de Janeiro, com a identificação do vírus em visons-americanos na região da Galiza, Espanha. No caso espanhol, foi detectada uma mutação num gene do vírus H5N1 que poderá ser a causa da transmissão entre mamíferos.

Apesar de os saltos deste vírus para mamíferos, incluindo humanos, já terem acontecido por diversas vezes, estas infecções são raras e despertam sempre a atenção das autoridades de saúde. Por exemplo, entre 2003 e 2022, registaram-se 868 casos de infecção por H5N1 em humanos, de acordo com os dados recolhidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Voltamos ao Peru. A principal hipótese apresentada pelos cientistas aponta para que os 634 leões-marinhos mortos se tenham contagiado independentemente, ou seja, que este tenha sido o resultado do contacto com aves infectadas ou da alimentação com os cadáveres dessas aves.

O vírus H5N1 tem tido um impacto considerável na América do Sul, com índices de mortalidade elevados nas aves selvagens. Pelo menos 50 mil aves selvagens terão morrido nos últimos dois meses de 2022, só no Peru, devido ao vírus H5N1, indica a equipa de investigadores liderada pela Universidade Nacional do Comahue (Argentina), num artigo científico divulgado na passada sexta-feira, mas que ainda não foi revisto por outros investigadores.

“A quantidade de biomassa de aves selvagens infectadas poderá ter conduzido a um momento de salto entre espécies que afectou predadores e necrófagos, incluindo os mamíferos marinhos que coabitam com eles, conforme já foi relatado noutras partes do mundo”, escrevem os autores no trabalho publicado.

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Centenas de leões-marinhos-da-patagónia estão a ser infectados com gripe das aves no Peru Nestor Galina

Os leões-marinhos mortos eram maioritariamente da espécie Otaria flavescens (conhecidos como leão-marinho-da-patagónia). Esta mesma equipa de investigadores já tinha alertado, a 19 de Janeiro, num comentário na revista Science para a detecção deste vírus da gripe aviária em aves selvagens na Argentina e no Peru.

Estes mamíferos de grande porte, que podem chegar aos 350 quilos, apresentavam sintomas sobretudo neurológicos, como tremores, convulsões ou paralisia, bem como algumas dificuldades respiratórias, o que poderá ter conduzido a afogamentos.

A hipótese do salto entre mamíferos

Mas como mencionámos há outra hipótese: o vírus H5N1 da gripe das aves ter aprendido a saltar entre leões-marinhos. O biólogo argentino Sergio Lambertucci, um dos investigadores que assina o novo artigo, conta ao El País o episódio que levanta mais suspeitas. A 27 de Janeiro, foram encontrados, de uma só vez, quase uma centena de leões-marinhos mortos, em Isla Asia, a menos de 100 quilómetros da capital Lima. “Não seria estranho que uns quantos tivessem comido aves infectadas, mas todos eles?”, questiona-se.

Ao jornal espanhol, o veterinário Thijs Kuiken, do Centro Médico da Universidade Erasmus de Roterdão (Países Baixos), destaca um cenário preocupante. “Dado o número de exemplares encontrados mortos, parece mais provável que tenha existido transmissão directa entre os leões-marinhos”, diz ao El País. “É o segundo episódio de mortalidade excessiva que aponta que este vírus [H5N1] pode adaptar-se facilmente a uma transmissão eficaz de mamífero para mamífero. Se acontece em visons-americanos e em leões-marinhos, por que não em humanos?”, diz.

A transmissão para humanos é uma das preocupações elencadas pelos cientistas no estudo agora publicado. Ainda assim, no caso dos visons-americanos na Galiza, nenhum dos trabalhadores que contactaram com os animais ficou infectado, por exemplo.

Em sentido oposto, também no mês de Janeiro, uma criança de nove anos no Equador foi hospitalizada nos cuidados intensivos depois de estar em contacto com uma galinha – é o primeiro caso humano de gripe das aves altamente patogénica na América Latina, segundo confirma a OMS.

A OMS nota que o vírus da gripe das aves não consegue manter uma taxa de transmissão elevada entre humanos, pelo que o risco de a doença passar de pessoa para pessoa é, para já, baixo.

No ano de 2022, a Europa registou o maior período de epidemia de gripe das aves, com quase 50 milhões de aves abatidas no período de um ano, como informou o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês). Em Portugal, a última informação do ECDC remete para Dezembro de 2022, quando foi confirmado que Portugal teve 31 focos de infecção por gripe das aves entre 1 de Outubro de 2021 e 30 de Setembro de 2022, a maioria registada em aviários.

Apesar de o conhecimento ser escasso sobre a transmissão de gripe das aves para mamíferos, os cientistas referem uma tendência de aumento das infecções entre aves selvagens, mamíferos e mesmo humanos. Um outro estudo, publicado em Outubro de 2022 na revista Emerging Infectious Diseases, apontava para a existência de rotas de transmissão das infecções entre o Norte da Europa e a América do Norte, que podem propiciar o aumento da transmissão do vírus H5N1.

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