Candidatura de Trump à Casa Branca tem contestação garantida nos tribunais

Ex-Presidente dos EUA ainda não formalizou a corrida à eleição de 2024, mas é provável que o faça nos próximos dias. Associação diz que Trump participou numa insurreição e que não pode ser candidato.

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Trump num comício no estado do Texas, em Outubro Reuters/GO NAKAMURA

O eventual anúncio de uma nova candidatura de Donald Trump à Casa Branca, esperado para depois das eleições intercalares da próxima terça-feira, vai ser contestado nos tribunais por uma associação norte-americana de defesa da transparência na política. Numa carta publicada na quinta-feira, a organização CREW alega que a Constituição dos Estados Unidos impede Trump de se candidatar a cargos públicos – incluindo ao de Presidente dos EUA –, devido ao seu envolvimento na invasão do Capitólio.

Em causa está a 14.ª Emenda da Constituição norte-americana, aprovada em 1868 na sequência da Guerra Civil de 1861-65. Segundo o artigo 3.º da emenda, qualquer pessoa que tenha desempenhado um cargo público, civil ou militar, que implique um juramento de fidelidade à Constituição dos EUA, fica impedida de voltar a candidatar-se se tiver participado numa insurreição ou rebelião contra as instituições do país.

“No dia 6 de Janeiro de 2021, uma insurreição incitada por si culminou num ataque violento”, diz a organização Cidadãos pela Responsabilidade e Ética em Washington (CREW, na sigla em inglês), numa carta endereçada ao ex-Presidente dos EUA.

Com base no artigo 3.º da 14.ª Emenda, é nossa convicção que está impedido de desempenhar cargos públicos, por ter participado numa insurreição contra a Constituição que jurou defender”, diz a organização, conhecida por ter ligações a figuras do Partido Democrata.

Em Janeiro de 2021, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou a destituição de Trump – pela segunda vez no seu mandato – com uma acusação de “incitamento a uma insurreição”. Mas, no mês seguinte, o então Presidente norte-americano foi absolvido da acusação no julgamento que decorreu no Senado.

Nesta sexta-feira, o site de notícias Axios avançou que Trump poderá anunciar a sua candidatura à Casa Branca no dia 14 de Novembro, uma semana depois das eleições intercalares da próxima terça-feira.

Segundo os media norte-americanos, o ex-Presidente dos EUA aguarda que o Partido Republicano confirme o seu favoritismo nas eleições para o Congresso. Se isso se confirmar, Trump vai aproveitar a onda de entusiasmo no eleitorado republicano para anunciar a sua candidatura à Casa Branca, apresentando-se como o principal obreiro de uma eventual conquista da maioria pelo seu partido na Câmara dos Representantes e no Senado.

Sem antecedentes

É difícil antecipar como vai ser recebido nos tribunais um pedido para que Trump seja proibido de se candidatar à Casa Branca. Sendo uma questão constitucional, não há registo de qualquer posição dos tribunais, na história dos EUA, sobre se o artigo 3.º da 14.ª Emenda também abrange um ex-Presidente. E, sendo verdade que a generalidade dos especialistas considera que o artigo se aplica ao caso dos presidentes dos EUA, há também vozes que defendem o contrário, o que antecipa uma batalha judicial complexa.

“Mesmo para quem, como eu, acredita que a conduta pós-eleitoral de Trump é claramente passível de destituição, a questão sobre se o próprio Trump se envolveu numa conduta abrangida pelo artigo 3.º não é clara”, disse Daniel J. Hemel, professor na Universidade de Chicago, num artigo publicado no blogue Lawfare poucas semanas depois da invasão do Capitólio.

“Aplicado de forma cuidadosa, o artigo 3.º pode ajudar a proteger a república americana contra ameaças internas violentas”, conclui Hemel. “Mas os apelos a uma aplicação abrangente, à generalidade dos titulares de cargos públicos envolvidos no ataque de 6 de Janeiro, têm o risco de poderem transformar o artigo numa arma antidemocrática do tipo da que o próprio Trump quereria usar.”

Redigido para impedir que os ex-combatentes dos estados secessionistas fossem eleitos para cargos públicos depois da Guerra Civil, o artigo 3.º da 14.ª Emenda voltou a ser invocado nos tribunais norte-americanos em Setembro passado, pela primeira vez desde 1869 em relação a uma acusação de insurreição.

Num caso também patrocinado pela associação CREW, Couy Griffin, um dos responsáveis pela administração pública do condado de Otero, no estado do Novo México, foi destituído do cargo por decisão judicial.

Na sentença, o juiz Francis Matthew disse que Griffin tinha de ser punido com a destituição por ter participado na invasão do Capitólio, à luz do artigo 3.º da 14.ª Emenda.

Num comentário à opinião de Griffin de que deveriam ser os eleitores do condado de Otero a decidir o seu futuro como administrador público, o juiz Matthew disse que registava “a ironia” dessa posição. Afinal, disse o juiz, Griffin “participou numa insurreição que tinha como objectivo descartar os resultados de uma eleição livre e justa por uma maioria do povo de todo o país”.

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