Alforreca, caravela-portuguesa e peixe-aranha: fui picado e agora?

Existem muitos mitos associados à forma como se devem tratar as picadas do peixe-aranha e dos gelatinosos. O especialista Eduardo Andrade lembra que deve lavar a ferida e dá outros conselhos.

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A Praia dos Caneiros, em Ferragudo, no Algarve Duarte Drago

Sob a areia esconde-se um dos piores inimigos dos banhistas portugueses, capaz de estragar um dia de férias: o peixe-aranha. À tona da água, é das caravelas portuguesas e das alforrecas que se devem afastar. Se sofrer uma picada, não vale a pena aplicar urina sobre a ferida, como diz a sabedoria popular. O especialista em medicina geral e familiar, Eduardo Andrade, deixa alguns conselhos sobre a forma correcta como deve tratar essas lesões.

Comum nas águas das zonas de clima temperado, como é o caso do Atlântico português e do Mar Mediterrâneo, o peixe-aranha pode ter entre 14 a 46 centímetros de comprimento, sendo os de tamanho menor mais comuns, explica um estudo publicado pela Biblioteca Nacional de Medicina norte-americana. A espécie vive a maior parte do tempo enterrada na areia, daí que passe facilmente despercebida, sobretudo graças ao tom amarelado das suas escamas.

No dorsal, o peixe possui cerca de seis espinhas venenosas. Quando é pisado, a fina membrana que as reveste rompe-se e é libertado o veneno. A toxina, explica o médico que faz atendimento permanente do Hospital CUF Descobertas, em Lisboa, provoca “uma dor intensa, que varia consoante a intensidade do contacto”. O primeiro passo é procurar a ajuda do nadador-salvador, que está habilitado para este socorro. O segundo passo é lavar a ferida com água salgada ─ e nunca doce, pede o especialista.

Raramente esses espinhos ficam retidos no local da picada, descansa Eduardo Andrade, mas se tal acontecer e caso se consiga, deve ser removido com uma pinça, “nunca com a mão”. De seguida, esprema “o local da picada para eliminar a maior quantidade possível da toxina”.

O veneno é neutralizado com o calor pelo que deve ser aplicado de imediato calor no local da picada por um período de 15 a 30 minutos, explica o médico de família ao PÚBLICO.

Na praia procure uma zona onde a areia estiver mais quente (com cuidado para não queimar) e enterre o pé. Se tiver à mão uma fonte de calor, como um isqueiro, também pode funcionar, mas sempre sem tocar. “Tudo isto na maior brevidade possível, pois após cerca de 30 minutos a toxina já terá sido absorvida e difundida do local da picada, sem possibilidade de ser anulada”, avisa.

Ceda à tentação de aplicar gelo, sprays analgésicos ou água doce, “que apenas aliviam momentaneamente a dor”, pede o médico, que desmistifica também que “nunca” se deve aplicar urina. Se a dor persistir, pode tomar um analgésico ou anti-inflamatório, e funcionam perfeitamente os que tem lá em casa ─ paracetamol ou ibuprofeno.

Ainda que seja pouco comum, existem pessoas que podem reagir de forma diferente à toxina libertada pelo peixe-aranha. Por isso, esteja atento, especialmente nas crianças a sintomas como náuseas, vómitos, dores de cabeça, tonturas, falta de ar, palpitações, inchaço da ferida, desmaios ou dor torácica. Nesse caso, “deve solicitar urgentemente assistência médica, de preferência hospitalar”, declara Eduardo Andrade.

Lembra-se, todavia, que é possível prevenir o contacto com o peixe-aranha usando umas sandálias de plástico na praia. O especialista da CUF aconselha que as crianças as usem pois são elas que, muitas vezes, escolhem brincar nesses locais de baixa profundidade.

Contacto com alforrecas

As medusas (também conhecidas por águas-vivas ou alforrecas) deslocam-se ao sabor da corrente ou por vontade própria, normalmente em grupo, descreve a plataforma GelAvista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). A sua forma de cogumelo e cor permitem que se misturem com o azul do oceano e, consequentemente, se tornem particularmente difíceis de detectar nos dias em que a água não está tão límpida. Os tentáculos, onde estão concentradas a maioria das células urticantes, podem chegar aos dois metros ─ ainda que variem consoante as diferentes espécies de medusa.

Nos últimos anos, o aparecimento desta espécie, bem como da caravela-portuguesa, tem sido mais comum. A culpa é das alterações climáticas e consequente subida da temperatura da água, lamentava ao PÚBLICO a especialista do IPMA, Antonina dos Santos. Mas não só: também o desaparecimento dos seus predadores, como o atum ou peixe-espada, por sobrepesca, aumenta a prevalência de alforrecas.

Quando acontece o contacto dos tentáculos das medusas com a pele, explica Eduardo Andrade, “as pequenas bolsas dos tentáculos abrem-se e libertam pequenos filamentos, cheios de toxinas, que se espetam na pele da vítima”. A sensação, compara, é como “uma pequena agulha fina dando uma sensação de picada”. O resultado é uma queimadura com “bolhas típicas das queimaduras de 2.º grau”, com aumento da sensação de calor nessa área e dor intensa.

Alguns de nós, aponta o médico de família, são mais sensíveis à toxina presente nas alforrecas e sofrem reacções alérgicas mais graves que necessitam de assistência hospitalar. Claro que tal depende da gravidade do contacto, que pode ir de ligeiro até ao extremo: o enrolamento do tentáculo numa parte do corpo da vítima.

Em qualquer dos casos, à semelhança da picada de peixe-aranha, procure de imediato o nadador-salvador, que deve lavar a zona afectada com água do mar, “com cuidado e sem esfregar não utilizando água doce, álcool ou urina na zona afectada”, indica o especialista. Se restarem fragmentos dos tentáculos no corpo, retire-os com luvas ou uma pinça. Depois de limpa a zona, aplique banda quente ou outra fonte de calor durante 20 minutos para aliviar a inflamação.

As perigosas caravelas portuguesas

Frequentemente confundida com uma alforreca, a caravela-portuguesa é, na verdade, uma colónia de indivíduos que forma um único organismo, define a GelAvista. Flutua na superfície impulsionada por ventos com um aspecto semelhante ao de um saco azulado em forma de balão.

Os tentáculos são o que a torna especialmente perigosa: podem atingir os 30 metros de comprimento. Ou seja, pode estar invisível ao olho do banhista e ainda assim atingi-lo. “É a mais perigosa de todos os gelatinosos que ocorrem em Portugal”, lê-se na plataforma do IPMA.

Para lavar a ferida de uma picada de caravela, o processo é semelhante ao de um contacto com uma alforreca (água do mar, sem esfregar), observa Eduardo Andrade, mas o cuidado deverá ser redobrado: “Remova os tentáculos que possam estar agarrados à pele com um instrumento de plástico, eventualmente um cartão bancário ou semelhante.”

Depois de limpo, aplique vinagre e água quente para o alívio da dor. Mais uma vez, esqueça a urina e também o álcool para desinfectar. De seguida, pode ser aplicada uma camada fina de pomada própria para queimaduras. Se a dor persistir, pode também administrar analgésicos ou anti-inflamatórios.

Com as caravelas há que estar particularmente atento a outros sintomas, como o inchaço, a febre, náuseas, vómitos, dor de cabeça ou suor excessivo. Se não for possível remover os tentáculos, aconselha o especialista, ou a picada se localizar no rosto ou zona genital, procure assistência médica.

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