Um interno “não é nem pode ser equiparado a um especialista”, diz Ordem dos Médicos

Colégio de Medicina Interna da Ordem dos Médicos avisa, num parecer emitido a pretexto das escalas da urgência geral do Hospital São Francisco Xavier, que o uso sistemático de equipa com um médico interno e especialista não cumpre as regras definidas.

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Problemas nas escalas da urgência geral foram conhecidos no final de Julho LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O Colégio de Medicina Interna da Ordem dos Médicos emitiu um parecer por causa das escalas da urgência geral do Hospital São Francisco Xavier. “Um interno de formação específica de medicina interna não é nem pode ser equiparado a um especialista”, salienta o colégio no documento. E avisa que o uso sistemático de equipa com um médico interno e especialista não cumpre as regras definidas.

As dificuldades na organização das escalas da urgência geral do Hospital São Francisco Xavier foram conhecidas a 29 de Julho, após um grupo de médicos de medicina interna ter enviado uma carta à administração avisando que apresentaria a demissão dos cargos de chefes de equipa da urgência, a partir de 1 de Agosto, caso a escala elaborada pela administração se mantivesse apenas com um especialista e um interno do quinto ano – último na formação desta especialidade – equiparado a especialista.

“A utilização sistemática de uma equipa composta pela combinação de um interno de formação específica do 5º ano com um especialista não cumpre os quesitos definidos pelo Colégio de Especialidade”, lê-se no parecer, divulgado pela Ordem dos Médicos.

No mesmo, salienta-se que a utilização de um interno no final da especialidade “para suprir necessidades de recursos humanos” deve ser apenas admitida em situações muito excepcionais, sob a supervisão de um especialista, e “não para resolver problemas de escalas médicas há muito potencialmente antecipáveis”. E que, “quando se verifique esta situação excepcional, o especialista de medicina interna não pode acumular as funções de chefe de equipa”.

No parecer lembra-se que a constituição das equipas-tipo “está bem definida” nos regulamentos e que esse é “um dos critérios considerados durante a avaliação de idoneidade dos serviços”. Na urgência externa, deve haver, em presença física, um especialista por cada 50 doentes que recorrem e/ou permanecem na urgência ao longo de cada 12 horas. Caso existam Vias Verdes (por exemplo AVC) que estejam à responsabilidade da medicina interna, deve ser adicionado mais um especialista. E a integração de médicos de outras especialidades na equipa de medicina interna no serviço de urgência, “em nada substitui a necessidade de se cumprirem os ratios” definidos.

Nove dias à espera de resposta

A situação recente levou a Ordem dos Médicos a pedir esclarecimentos ao conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental – a que pertence o Hospital São Francisco de Xavier. A resposta, adiantou o bastonário ao PÚBLICO, chegou esta sexta-feira, nove dias depois do pedido. “O conselho de administração diz que tem feito um esforço para que todas as equipas tenham mais um especialista disponível e que até agora têm conseguido dois especialistas, sendo um deles o chefe de equipa”, disse Miguel Guimarães.

“Normalmente, a equipa-tipo [neste hospital] são dois especialistas e dois internos de medicina interna na urgência. Podemos aceitar, não como regra, que exista um especialista e um interno, mas tem de haver um especialista que desempenhe as funções de chefe de equipa. O chefe de equipa não pode ser o especialista que está a dar apoio à urgência”, reforçou o bastonário, referindo que o trabalho que recai sobre os chefes de equipa não permite que estejam plenamente dedicados à actividade assistencial.

Para Miguel Guimarães, a situação de “não colocar um único especialista [de medicina interna] dedicado ao serviço de urgência e ter apenas internos é totalmente inaceitável” e referiu que o que se passa no São Francisco Xavier é o caso que mais o preocupa.

Maria João Tiago, secretária regional de Lisboa e Vale do Tejo do Sindicato Independente dos Médicos, disse ao PÚBLICO que “há dias em que só está escalado um especialista e um médico interno” e que “esse especialista será o chefe de equipa”. A médica acrescentou que os profissionais continuam a entregar as minutas de escusa de responsabilidade” quando as escalas estão incompletas, prevendo-se que isso possa acontecer algumas vezes nos próximos dias.

Maria João Tiago referiu que a falta de profissionais em número suficiente já levou a que em algumas noites o serviço de urgência pedisse ao CODU [Centros de Orientação de Doentes Urgentes] o desvio de doentes para outras unidades.

Também a 29 de Julho, em declarações às televisões, a administradora do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental afirmou que estavam “asseguradas as condições mínimas” para as urgências funcionarem e que este serviço conta com o apoio de outras especialidades. Rita Perez explicou que quando aprovaram o plano de férias, em Março, foi com base no pressuposto que as vagas abertas para a contratação de novos especialistas de medicina interna iam ser todas preenchidas, o que acabou por não acontecer.

Miguel Guimarães salientou que a “urgência geral é um dos serviços mais importantes em todos os hospitais”, tendo em conta que é aqui que se dirige grande parte da população quando tem problemas de saúde, e lembrou que a especialidade de medicina interna é uma das mais importantes na urgência geral.

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