Diz-me as tuas férias e eu dir-te-ei quem és

Descanso, festa, autodescoberta, cultura, amigos, desporto, copos, missão, estudo, drogas, aventura, comida, família, ou simplesmente nada. Vale tudo o que nos apetecer, sendo que nem todos os prismas são compatíveis.

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"O interessante em viajar, não é o que vemos, mas o que sentimos sobre quem somos com o que o mundo nos desvenda" Simon Berger/Unsplash

Férias. Esta palavra mágica é capaz de ser das palavras mais fortes do mundo. Tão forte que nem existe no singular. Hoje deu-me para pensar nisto. A forma como vivemos as nossas férias é das coisas que mais nos define. Por exemplo, no meu caso, a palavra férias reforça a minha tristeza, o que diz quase tudo sobre quem eu sou, neste momento. E esta é uma de muitas divisões no que à abordagem das férias, diz respeito, o nosso estado de espírito vigente.

Todos nós já tivemos alturas em que se nos pusessem numa ilha paradisíaca seria uma perda de tempo, e outras em que nos sentimos extremamente felizes e de coração cheio, numa camarata cheia de beliches a dividir com gente malcheirosa. Mas os extremos não fazem a história, é o que está no meio que nos define como sociedade.

Descanso, festa, autodescoberta, cultura, amigos, desporto, copos, missão, estudo, drogas, aventura, comida, família, ou simplesmente nada. Vale tudo o que nos apetecer, sendo que nem todos os prismas são compatíveis.

Claro que desde o início do texto, estou a pensar onde vou enfiar aqui o classismo. Mas mais dinheiro por vezes inibe a imaginação. Conheço quem vá todos os anos para o mesmo sítio, no Algarve, com as mesmas pessoas, e assim, com uma imaginação pobre têm férias muito ricas no preço. E no lado romântico da história, conheço casais com filhos pequenos que se aventuram a conhecer e a dar-lhes a conhecer o mundo num registo simples e humilde, mas de uma riqueza sensorial infinita.

O interessante em viajar, não é o que vemos, mas o que sentimos sobre quem somos com o que o mundo nos desvenda. E nós só memorizamos com as emoções.

Fotos sexy e de pratos de comida dizem muito sobre nada. Eu até tenho uma relação de amor-ódio com a fotografia. Pois se há fotografias que servem para completar a revisão das minhas vivências e que me enchem de sorrisos, há outras que estragam a forma mais floreada e mastigada com os sentimentos, como aquele acontecimento estava registado no meu cérebro.

As férias são, então, uma interrupção no trabalho ou nos estudos. Mas será que é de descanso que precisamos e procuramos? Eu diria que não apenas. O que todos pretendemos é coleccionar sorrisos, conexões humanas, alívio de stress e rotinas, com pitadas de liberdade de acção para nós e para os nossos.

A forma como alimentamos o coração e a alma, felizmente é tão ou mais idiossincrática do que a nossa impressão digital, no entanto, por vezes esquecemo-nos do essencial. Eu não sei qual é o vosso essencial, porque eu não acredito em life coachs, mas eu sei que há muita gente que deixa que a ditadura das regras da sociedade escritas por ninguém, condicione a liberdade de que precisamos para que a nossa imaginação não esbarre na falta de coragem.

Não há nada melhor do que uma mesa cheia de amigos a rirem-se pela noite dentro, mas o que é facto é que as viagens que mais me marcaram e ensinaram sobre a vida foram as que fiz sozinho. E se tive a sorte de ter sido levado por aviões a outros mundos, também já fiquei maravilhado pela minha grande ignorância de pérolas que estavam aqui em Portugal, ao virar da esquina. E é fundamental ter um amor das férias, que até pode ser o mesmo do ano passado; um livro, um objectivo, uma conquista, algo que nos faça reencontrar, moldar ou limar o sentido da vida. E o resto é só o resto.

Diz-me as tuas férias e eu dir-te-ei quem és.

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