Ainda os rankings das escolas: uma fotografia monocromática

Os rankings tendem a representar um retrocesso na noção de educação como “bem público, pela ênfase nos benefícios privados, e o avanço de uma certa desresponsabilização e demissão dos governos na condução dos sistemas educativos.

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Rui Gaudencio

São conhecidos alguns dos argumentos em defesa da publicação dos rankings das escolas: ofereceria às escolas informações objetivas que permitiriam a melhoria da sua qualidade, constituiria um meio para as escolas prestarem contas sobre o gasto do dinheiro público e ajudaria as famílias a escolher uma escola. Parte-se do princípio de que o “intervencionismo” do Estado não se deve substituir à responsabilidade familiar e que a regulação do sistema e das escolas deve orientar-se pela competição gerada pelas escolhas individuais das famílias, as quais exerceriam um controlo social mais apertado sobre o sistema educativo.

Na prática, todavia, os rankings tendem a representar um retrocesso na noção de educação como “bem público, pela ênfase nos benefícios privados, e o avanço de uma certa desresponsabilização e demissão dos governos na condução dos sistemas educativos, já que o mau desempenho de algumas escolas e alunos tende a ser atribuído à ineficácia da gestão interna ou ao mérito, e não tanto aos fatores sociopolíticos contextuais mais amplos.

Os efeitos negativos, nas escolas, nos professores, nos alunos e nas famílias, têm sido, ao longo dos anos, mais visíveis do que os eventuais benefícios. Nas escolas, a publicação dos rankings tende a provocar mudanças nos estilos de trabalho, com atividades mais orientadas para os resultados, particularmente para o desempenho cognitivo dos alunos, do que para os processos educativos multidimensionais, que incluem não apenas os aspetos cognitivos, mas também afetivos, sociais e morais.

A concentração exclusiva dos indicadores nos desempenhos académicos, ignorando outros aspetos qualitativos ligados às atividades nas escolas, e à qualidade dos seus processos de ensino-aprendizagem, acaba por torná-las centros de treino para os exames nacionais, em boa parte reféns da preparação para o ensino superior. Além disso, os rankings acabam por conduzir à hierarquização social das escolas, em função do desempenho avaliado pelos resultados nos exames nacionais, e à segregação social das escolas menos escolhidas pelas famílias, que acabam por concentrar os alunos de nível sociocultural mais baixo, mais propensos para resultados escolares mais baixos.

A publicação dos rankings conduz, também, associada à segregação social das escolas, à estigmatização dos “maus” alunos, e subsequente exclusão, que passam a ser vistos como obstáculo às boas médias. Ao mesmo tempo, as escolas com melhor desempenho nos rankings, normalmente as escolas privadas, veem a sua procura aumentar e passam a selecionar os alunos em melhores condições para atingir resultados académicos acima da média, geralmente os que têm capacidade financeira para suportar os custos da educação, de estratos socioculturais mais altos, perpetuando assim a sua posição cimeira.

Os rankings publicados ao longo dos últimos anos têm mostrado isto mesmo e têm sido usados como instrumentos de “marketing” gratuitos, pelas escolas privadas, para continuar a atrair os melhores alunos.

Do lado dos professores, existe a perceção de que os rankings constituem uma forma de avaliação indireta do seu próprio trabalho pedagógico, que ora gera sentimentos de satisfação, quando os resultados dos seus alunos são altos, ora gera sentimentos de frustração, pelo facto de os resultados dos alunos, embora baixos, não parecerem refletir o valor acrescentado de todo o seu investimento. Parte da pouca atratividade da carreira docente pode dever-se, entre outros aspetos, a estes sentimentos de insatisfação. Além disso, a sobrevalorização dos testes como instrumento privilegiado de avaliação tende a esvaziar todo o processo formativo para o qual o professor se formou e a inibir metodologias criativas e inovadoras em prol de metodologias de ensino mais tradicionais e passivas.

O acesso à informação sobre a escola é desigual para muitas famílias e determinado pelo capital social e cultural. Essa desigualdade é também geográfica e financeira, já que muitas famílias estão limitadas nas suas escolhas pela oferta regional e por aquilo que as suas carteiras podem comportar. Pior, para muitas famílias “desfavorecidas”, a publicação dos rankings pode contribuir para reforçar a sua perceção “fatalista” e “darwinista” do sucesso escolar.

A publicação dos “rankings” não parece ser, por conseguinte, muito proveitosa para o avanço do conhecimento sobre os fenómenos educativos e apenas oferece uma fotografia monocromática da realidade educativa em Portugal, que merecia uma reflexão crítica séria do que poderia efetivamente ser melhorado.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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