A idade do nosso cérebro também conta na prevenção e recuperação do AVC

A partir de ressonâncias magnéticas podemos obter a idade do cérebro. Investigação revela que o envelhecimento cerebral pode dar respostas na prevenção e no melhor prognóstico destes casos de AVC.

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O envelhecimento cerebral pode permitir vigiar mais atentamente os pacientes com maior probabilidade de sofrer um AVC Rui Gaudencio\Publico

A nossa data de nascimento não é a única que importa na prevenção de um acidente vascular cerebral (AVC) – a principal causa de morte em Portugal. O envelhecimento mais acelerado do nosso cérebro também tem um peso importante nestas contas, podendo ser um sinal importante para aumentar a vigilância dos mais susceptíveis e para nos dar melhores previsões sobre a recuperação pós-AVC. Esta é a principal conclusão de um estudo apresentado esta quarta-feira na Conferência Europeia sobre AVC que decorre em França.

“A saúde cardiovascular e a saúde cerebral estão intimamente ligadas. Verificámos que os pacientes com mais riscos de sofrer um AVC têm um cérebro que parece mais velho do que os outros. Além disso, pacientes com um cérebro mais velho têm menor probabilidade de terem uma melhor recuperação após o AVC”, aponta ao PÚBLICO Martin Bretzner, investigador da Universidade de Harvard (Estados Unidos).

O estudo liderado pelo neurorradiologista norte-americano analisou mais de quatro mil pacientes com AVC isquémico na Europa e nos Estados Unidos. Os dados mostram que os pacientes com cérebros mais envelhecidos apresentam os factores de risco mais comuns para a doença. A idade cerebral avançada aumenta também a probabilidade de sofrer de hipertensão, diabetes mellitus ou de ter um histórico de fumador ou de outro AVC anterior. Este trabalho mostra também que os pacientes com cérebros mais velhos têm pior prognóstico.

O acidente vascular cerebral é a principal causa de morte em Portugal. Em todo o mundo, estima-se que uma em cada seis pessoas terá um AVC –​ e a cada seis segundos esta doença é responsável pela morte de alguém.

A importância da idade biológica na prevenção e no prognóstico do AVC não parou de ser relevante. No entanto, estimar a idade cerebral de uma pessoa oferece um conhecimento adicional sobre a resiliência do nosso cérebro ao tempo e aos factores de risco cardiovasculares – permitindo também perceber quão bem recuperaremos da doença. “Cada indivíduo envelhece ao seu ritmo, uns mais rápidos do que outros. E este aspecto é particularmente relevante em doenças que são mais frequentes e mais severas em pessoas mais velhas, como é o caso do AVC”, diz Bretzner.

A radiómica como técnica de prevenção

Esta equipa de investigadores chegou até estes resultados através da radiómica. O que é? Um método recente que, através de algoritmos, explora os dados neurológicos em imagens médicas obtidas através de ressonâncias magnéticas. Isto permite aos médicos especialistas compreender padrões, analisar a saúde cerebral e estimar a idade do cérebro.

“A radiómica é uma tecnologia que é um ‘peso leve’ e pode ser facilmente traduzida e implementada na clínica. Todo o trabalho de análise das imagens de ressonâncias magnéticas pode ser feito num computador portátil, sem necessidade de grandes investimentos ou infra-estruturas”, explica o primeiro autor do estudo.

Bretzner acrescenta ainda a facilidade de comunicação e visualização que este método pode oferecer: “Isto pode ser benéfico pela simplicidade com que é compreendido por pacientes e por médicos – pois todos entendem de forma instintiva que um cérebro que parece mais velho do que devia não é bom”.

"O melhor prognóstico é quando não existe AVC"

O estudo desenvolvido pela equipa de Bretzner espera alertar para o impacto que a saúde cerebral tem na recuperação do AVC. “Os pacientes com uma trajectória de envelhecimento cerebral mais acentuado do que o esperado podem ser identificados e acompanhados desde a prevenção à selecção como potenciais candidatos a medicamentos personalizados”, alerta.

“O AVC é uma doença devastadora e que deve ser combatida em todas as frentes, desde a prevenção, à selecção de pacientes, sistema de saúde, tratamento e literacia”, refere Bretzner. “Temos tido nos últimos anos alguns avanços e métodos de tratamento mais eficazes. Mas o melhor prognóstico de AVC é quando não existe um AVC. A prevenção é uma alavanca accionável que deve ter toda a nossa atenção”. Cerca de 80% das doenças coronárias precoces e dos AVC podem ser prevenidos, refere o investigador.

Esta doença resulta da morte ou lesão das células cerebrais devido à ausência de oxigénio e nutrientes, na sequência de um bloqueio do fluxo sanguíneo (AVC isquémico) ou pelo rompimento de uma artéria que provoca um fluxo maior de sangue (AVC hemorrágico). Os isquémicos correspondem a quatro em cada cinco AVC.

Por ano, 15 milhões sofrem um AVC e, desses, seis milhões não sobrevivem. De acordo com a Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, Portugal é, na Europa Ocidental, o país com a mais elevada taxa de mortalidade, sobretudo na população com menos de 65 anos.

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