Relação obriga Carlos Alexandre a optar se Manuel Pinho fica em prisão domiciliária ou com caução

O juiz terá de refazer o despacho na parte em que impunha a substituição da prisão domiciliária se fosse paga caução de seis milhões de euros. Defesa deve reclamar da decisão em que se considera existir perigo de fuga.

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Manuel Pinho Miguel Manso

O Tribunal da Relação de Lisboa deu razão parcial ao recurso do ex-ministro Manuel Pinho e da sua mulher, obrigando o juiz Carlos Alexandre a optar por aplicar ao antigo governante a prisão domiciliária ou o pagamento de uma caução no caso EDP. O magistrado tinha determinado a obrigação de Manuel Pinho permanecer numa habitação, mas admitia que essa medida fosse substituída por uma caução de seis milhões de euros, que teria que ser prestada num prazo de 30 dias, o que a Relação diz ser uma “impossibilidade legal”.

Mas, apesar disso, a defesa de Manuel Pinho não tem muitos motivos para sorrir: é que a mesma decisão considerou indiciado o perigo de fuga que sustentou a aplicação de medidas tão gravosas ao ex-ministro e à mulher, que ficou sujeita a uma caução de um milhão de euros, apresentações quinzenais no posto policial da área de residência e proibida de se ausentar para o estrangeiro. Ricardo Sá Fernandes, advogado do casal, admite que provavelmente irá reclamar para a conferência de juízes da Relação de Lisboa.

“Não é legalmente admissível substituir a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica por caução pela simples razão que, em nenhuma circunstância, o não-pagamento desta pode ter como consequência o cumprimento de medida de coacção de obrigação de permanência na habitação”, lê-se no acórdão da Relação de Lisboa, datado desta terça-feira. Defesa e Ministério Público têm 10 dias úteis após a notificação para reclamarem, tornando-se depois disso a decisão definitiva. Só então o processo baixa à primeira instância, sendo Carlos Alexandre obrigado a refazer o seu despacho de 15 de Dezembro.

“Revoga-se a parte do despacho recorrido em que substitui a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica [OPHVE] pela prestação de caução, devendo ser proferido novo despacho a determinar se o arguido Manuel Pinho fica sujeito à OPHVE ou a caução, sendo que se a decisão for esta última (caução) deve o recorrente Manuel Pinho ser libertado, sem prejuízo de serem aplicadas outras medidas de coacção que possam ser cumuláveis”, lê-se no despacho assinado pelos desembargadores Paulo Barreto e Alda Tomé Casimiro.

Os juízes lembram que o artigo 197.º do Código Processo Penal prevê especificamente que, se o arguido estiver impossibilitado ou tiver inconvenientes em prestar caução, essa medida pode ser substituída por quaisquer outras, com excepção da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação. “Se não houver pagamento da caução, a solução é aplicar qualquer outra medida de coacção não privativa da liberdade e encetar diligências para apreender/arrestar património ao arguido”, sustentam os desembargadores.

A defesa de Manuel Pinho recorreu deste despacho, contestando as medidas de coacção aplicadas ao ex-ministro da Economia e à mulher deste, Alexandra Pinho, alegando ser “rigorosamente falsa a existência do suposto perigo de fuga”, invocado pelo Ministério Público e validado por Carlos Alexandre.

No entanto, sobre o perigo de fuga, o Tribunal da Relação não deu razão ao casal Pinho.

“Dos elementos dos autos resulta ainda que os recorrentes têm muita facilidade em se deslocar para o estrangeiro, têm condições económicas para isso, pelo que é real a possibilidade de se eximirem à acção da justiça”, lê-se no acórdão, no qual também se defende que “a mudança de residência [dos arguidos] para Espanha num momento processual em que os responsáveis da EDP foram submetidos a medidas de coacção gravosas, é, ela própria, um indício desse perigo de fuga”.

Esta referência é contestada por Ricardo Sá Fernandes que garante que tal só pode ser “um lapso” dos juízes da Relação. “Nos últimos anos o meu cliente tinha residência habitual em Nova Iorque e em Pequim. E foi daí que passou para Alicante, em Espanha, tendo-se aproximado então de Portugal e não afastado”, sustenta o advogado.

Os desembargadores defendem ainda que “só nesta fase processual [os arguidos] tiveram conhecimento de todos os factos que lhes são imputados” e que “desta vez não se pode criticar o MP por deter/pedir prisão preventiva e só depois investigar”.

Consideram assim “inquestionável” que só nesta fase do processo “passaram os arguidos a saber da (muita) gravidade dos factos” E concluem: “Improcede este segmento de recurso. Há perigo de fuga”.

Ao contrário do alegado pela defesa, o Tribunal Relação de Lisboa considera Alexandra Pinho indiciada por um crime de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada, os ilícitos imputados pelo Ministério Público. Os juízes notam que a mulher de Pinho vivia com este “em economia comum”, “usufruiu de habitações de luxo”, recebeu nas suas contas “dinheiro indiciariamente indevido”, “interveio fortemente na ida do marido para a Universidade de Columbia sabendo do apoio da EDP” e “sabia perfeitamente que a sua nomeação como curadora de arte do BES só podia estar relacionada com o conluio do seu marido com Ricardo Salgado”, destacando que Manuel Pinho “afirmou publicamente ser o forte impulsionador daquela colecção”. E rematam: “O regime de bens do casamento [separação de bens] e as contas separadas não são argumento, porque já se percebeu que o dinheiro de ambos circulava também na conta bancária da recorrente [Alexandra Pinto].

Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP no Verão de 2017, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo, em que o antigo banqueiro Ricardo Salgado surge como corruptor. No processo EDP/CMEC, o Ministério Público imputa aos antigos administradores António Mexia e Manso Neto, em co-autoria, quatro crimes de corrupção activa e um crime de participação económica em negócio.

O caso está relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.

O processo tem ainda como arguidos o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho, João Conceição, o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade, Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas.

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