No Portugal Fashion reflectiu-se sobre a indústria da moda além das passerelles

Como fazer crescer uma marca jovem? Qual é o futuro digital da moda? Para responder a estas questões, o Portugal Fashion promoveu as ShowRoom Talks, conversas com diferentes profissionais ligados à indústria.

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José Fernandes

O Portugal Fashion regressou à Alfândega do Porto para celebrar a sua 50ª edição. Para mostrar que a moda vai muito além dos desfiles, nesta quinta-feira, foram promovidas duas conversas, as ShowRoom Talks. Sob a moderação de Ana Roncha, directora do mestrado de Marketing Estratégico de Moda na London School of Fashion, abriu-se o jogo sobre as vertentes comercial e profissional, lembrando que a moda é, além de uma forma de expressão, uma indústria em evolução contínua.

Como é que se faz uma marca jovem crescer?

A primeira conversa decorreu num formato híbrido. Sob o mote “Scaling Designer Brands: Challanges and Opportunities”, Romain Casella, fundador e director da agência internacional de comunicações May Concept, e Alexander Giantsis, estratega e consultor de várias empresas globais do mundo da moda, que se juntou à conversa pelo Zoom, reflectiram sobre a expansão dos negócios de uma maneira sustentável, dirigindo-se aos jovens designers.

O primeiro passo é simples: “Criar uma voz.” Os especialistas salientam que para ter sucesso é preciso criar uma identidade — saber quem se é, o que se representa e que mensagem se quer transmitir. Alexander Giantsis adianta que o objectivo é que essa “voz” seja bem definida e não se perca pelo caminho, ressalvando que é preciso equilibrar a forma como a marca se identifica com a forma como é compreendida pelo público. Depois, é preciso reunir uma equipa capaz e que vá ao encontro da visão definida. O consultor admite que, ainda que crucial, este é um passo complicado, salientando a falta de formação profissional específica para saber construir uma estrutura interna sólida.

Ana Roncha, Romain Casella (sentados) e Alexander Giantsis (no quadro) José Fernandes
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Ana Roncha, Romain Casella (sentados) e Alexander Giantsis (no quadro) José Fernandes

Fruto de vários anos de experiência e contacto com gigantes da indústria, os dois oradores sabem que cada designer cria uma linguagem específica para a sua marca, com particularidades únicas, que apelam a um leque diferente de consumidores. Como tal, frisam a necessidade de identificar e conhecer o cliente. Alexander Giantsis reitera que, conhecendo a comunidade que acompanha a marca, torna-se mais fácil saber como se deve trabalhar para a expandir. E, na mesma linha, Romain Casella afirma que é preciso explorar as várias vias de comunicação para encontrar as que são atraentes para o consumidor. Por outras palavras, “ir ter com eles”. O director da agência de comunicações também salienta que é vital ouvir os outros e perceber o ambiente em que a empresa se insere. Com consciência sobre as problemáticas actuais e em concordância com os valores da marca, torna-se possível encontrar “formas criativas” de chegar às pessoas, diz.

Um jovem empreendedor que queira crescer no mundo da moda vai enfrentar vários obstáculos. Factores como o timing, canais de distribuição, recursos e a própria complexidade humana (que afecta os comportamentos do comprador) dificultam o processo. No entanto, Romain Casella explica que o essencial é adoptar um “pensamento 360º” e a multidisciplinaridade, questionando sempre o “potencial da mente criativa”. E, seguindo esse raciocínio, Alexander Giantsis apela aos jovens designers para não tentarem apressar o processo. Ainda que seja um paradoxo à era actual, que vive do imediatismo, o estratega acredita que uma empresa deve crescer “devagar e de forma constante”, para que as suas conquistas sejam sólidas e sustentáveis, de forma a inspirar a confiança do consumidor.

O que esperar da transformação digital?

A segunda conversa, “Digital Transformation of the Fashion Industry”, trouxe um tema controverso e um painel com várias abordagens especializadas. Para discutir qual é o futuro digital da moda (e respectivos formatos), juntaram-se a portuguesa Sara Teixeira, perita em NFTs, Metaverso e Luxo Digital na empresa Exclusible; Lui Iarocheski, director de Inovação e Transformação Digital da Moda na empresa PlatfromE; e Abdullah Abo Milhim, director de Educação no Instituto Marangoni, em Londres.

O debate começou pela desmistificação da ideia de transformação digital da moda. A era digital trouxe consigo uma multiplicidade de ferramentas e formatos que podem ser aplicados nesta indústria, começando na compra de NFTs, passando pela impressão 3D e estendendo-se até aos videojogos, com a produção de colecções para personalizar personagens (as skins).

Ana Roncha, Abdullah Abo Milhim, Sara Teixeira, e Lui Iarocheski. José Fernandes
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Ana Roncha, Abdullah Abo Milhim, Sara Teixeira, e Lui Iarocheski. José Fernandes

O painel acredita que ainda há muita reticência em utilizar novas tecnologias por causa da falta de conhecimento na área. São muitos os conceitos que se ouvem, mas as pessoas não sabem genuinamente do que se trata. Para Lui Iarocheski, nesta indústria, muitos querem seguir a modernidade por verem outros fazê-lo, mas sem uma ideia concreta do que procuram ou precisam: “Chegam com olhos inocentes a pensar que se trata de algo interessante. E temos de lhes mostrar as oportunidades que existem.” Ainda neste tópico, surgem incertezas em conceitos como o metaverso, que Sara Teixeira acredita ser “a progressão natural da Internet”. Explica que se trata de um espaço imersivo que permite o convívio no mundo digital, com uma série de aplicabilidades. E, no mundo da moda, pode manifestar-se, por exemplo, no formato de lojas ou galerias digitais.

Abdullah Abo Milhim ​afirma que a transformação digital é um processo complexo que começa na educação, de forma a moldar a mentalidade da comunidade envolvida. Explica que o digital surge como uma forma de responder às necessidades das marcas e dos consumidores, o que pode ser útil na parte da personalização pessoal. Além disso, esta transformação pode ter um papel fulcral na resolução de temas actuais, como a sustentabilidade. Lui Iarocheski lembra que a moda é uma indústria de produção em massa que gera resíduos e desperdícios, mas recorrendo a tecnologias de produção e impressão 3D, é possível criar números exactos de peças, encurtando os períodos de produção e sem criar excedentes.

As opções são infinitas e levantam questões sobre o futuro da moda e a possibilidade de se desvalorizarem os bens materiais. Apesar dos vários benefícios das novas tecnologias, os convidados acreditam que o conceito de loja física não vai morrer. Contudo, Abdullah Abo Milhim ​acrescenta que “vai evoluir”. Assim, acredita-se na coexistência de duas realidades: a valorização do digital e a preservação do mundo físico. Independentemente do futuro, os conferencistas acreditam que a indústria da moda vai continuar a crescer.


Texto editado por Bárbara Wong

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