Lyunbov fugiu da Ucrânia e juntou-se à filha em Faro: “Se fosse mais nova ia combater”

Lyunbov recorda tempos de criança, após a Segunda Guerra Mundial. “Quando eu calçava botas, os meus irmãos andavam descalços, depois trocávamos.”

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Lyunbov Kacmmaryk, no momento em que desceu do autocarro que chegou esta semana a Olhão com refugiados Duarte Drago

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, a ucraniana Lyunbov Kacmmaryk tinha apenas quatro anos de idade. “O meu pai foi um herói da guerra”, recorda a mulher de 72 anos, que chegou esta semana a Faro. Durante toda a infância ouviu o pai, antigo combatente na batalha de Berlim, contar histórias da guerra. “Agora, vejo a destruição e morte do meu país”, lamenta.

O sofrimento e o desejo de vencer estão estampados no olhar. “Se fosse mais nova ia combater”, declara, levando a mão ao peito em sinal de patriotismo.

Durante toda a semana, o Centro Nacional de Apoio e Integração dos Migrantes recebeu refugiados.

A filha, Liana Kacmmaryk, a viver em Portugal há 22 anos, acha que a mãe não vai coabitar com ela durante muito tempo. “Mal termine a guerra, ela vai regressar”, antevê. A mulher, de 52 anos, leva uma vida dura de trabalho. Começa nas limpezas às 6h30 da madrugada, termina às às sete da tarde.

“Estou em família”, diz a mãe, depois de sentir o conforto de um colchão e os afectos de um lar. Mas, logo de seguida, deixa transparecer intranquilidade. “Rezo e choro todas as horas.”

A bisneta, nascida há duas semanas, chora. Liana pega-a ao colo, e fica a admirar a bebé. A bisavó desabafa: “Gosto de estar em Portugal, mas não deixo de pensar do meu país.”

Os tempos do pós-Segunda Guerra Mundial continuam presentes na memória da idosa. As galochas, usadas nos dias de chuva e frio, recorda, não chegavam para os oito filhos do herói da guerra. “Quando eu calçava botas, os meus irmãos andavam descalços, depois trocávamos.”

Lyunbov Kacmmaryk ficou viúva há oito anos. Na Ucrânia, fazia-lhe companhia um neto de 33 anos. “Ele não veio para Portugal, pode ser chamado para ir combater”, justifica. O irmão, de 18 anos, estudante no conservatório, está nas mesmas circunstâncias. “É tão jovem…”, desabafa, lembrando as vidas que estão a tombar, numa terra que vivia em paz. A filha faz de tradutora na conversa com o PÚBLICO e, ao mesmo tempo, vai deixando cair notas de esperança: “Tenho fé que a guerra termine até ao fim do mês”, diz.

O primeiro autocarro, vindo da Polónia, chegou terça-feira a Olhão. A viagem, na primeira noite”, foi difícil, muito difícil”, relatou o motorista Fernando Coelho, descrevendo o ambiente a bordo. “As crianças choravam muito”, conta. No dia seguinte, “quando perceberam que nós estávamos ali para ajudar, as coisas acalmaram”. Lyunbov Kacmmaryk, a mais velha desse grupo de 46 de refugiados, confirma: “Não consegui descansar durante a viagem.” Mas, os dois dias passados numa estação de comboios na Polónia enquanto aguardar transporte para Portugal, foram, também, de desassossego. “Estava toda a gente stressada.”

“Não consigo ver televisão, estão a matar mulheres e crianças, lançando bombas sobre as cidades.” Na Ucrânia, além dos seus dois netos, deixou para trás duas irmãs.

Liana abre o álbum das recordações. “Tenho uma foto do meu avô, fardado, com as medalhas ao peito”, enfatiza. Ao agregado familiar, de quatro elementos, juntou-se mais Lyunbov. Para que todos tivessem lugar num apartamento T3, o filho do casal, de 27 anos, passou a dormir na sala. As associações de apoio aos refugiados, na região, relatam casos em que um T2 chega a albergar dez pessoas. As acções e manifestações de solidariedade acontecem um pouco por todo a região. “Foram todos muito simpáticos para comigo.” Em resposta aos apoios recebidos, diz que já aprendeu uma palavra em português: “Obrigado.”

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