Ministra admite que “em muitos casos” Estado não paga despesas com teletrabalho

Estudo revela que 66% dos funcionários públicos inquiridos apontaram o acréscimo de despesas com internet, energia ou computadores como um dos pontos mais negativos do teletrabalho.

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Paulo Pimenta

O Estado gastou 10,8 milhões de euros em equipamentos para o teletrabalho na Administração Pública em 2020, mas as despesas com internet ou telefone “não estarão” a ser pagas aos trabalhadores, reconheceu a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão.

A ministra falava a propósito do estudo “A adaptação dos modelos de organização do trabalho na administração pública central durante a pandemia de covid-19: dificuldades e oportunidades”, que está a ser apresentado nesta terça-feira.

“A distribuição de equipamentos correspondeu a um gasto de 10,8 milhões de euros ao longo do ano de 2020 para custos com o teletrabalho”, incluindo distribuição de computadores, custos com software ou sistemas de videoconferência que tiveram de ser agilizados, o que evidencia que houve “algum investimento nos equipamentos” referiu Alexandra Leitão, em declarações feitas à Lusa.

Apesar deste investimento, 37% dos funcionários públicos inquiridos para o estudo referem que a entidade empregadora “não disponibilizou quaisquer meios ou equipamentos essenciais para a realização das actividades profissionais em modalidade de teletrabalho” e 66% apontou o acréscimo de despesas com internet, energia, computadores e outros elementos necessários para trabalhar em casa como um dos pontos mais negativos desta modalidade de trabalho.

Alexandra Leitão referiu que a questão das despesas “terá de ser analisada em parceria com a área do Trabalho, uma vez que esta é uma matéria regulada no Código do Trabalho e que não tem uma regulamentação específica na Administração Pública”.

Questionada sobre se as despesas com o teletrabalho, nomeadamente com Internet e telefone estão a ser pagas aos funcionários públicos em teletrabalho, a ministra disse não ter dados que permitam responder com certeza e admitiu que “em muitos casos não estarão a ser pagas essas despesas”.

“Agora temos que ver isto num enquadramento global, de contexto pandémico em que as pessoas foram para casa numa situação de urgência, que também não será a forma normal de trabalhar em casa”, referiu, acentuando que o quadro pandémico, de excepção, que obrigou ao envio de milhares de pessoas para o regime de teletrabalho, não permite “atirar para uma regulamentação específica”.

Alexandra Leitão salientou ainda o facto de o estudo demonstrar que não existem razões para um estigma sobre o teletrabalho e está a ser desenvolvido um trabalho entre os vários serviços visando a produção de guias para a adaptação de formas de trabalhar neste regime.

Produtividade melhorou com teletrabalho

O estudo conclui também que a maioria dos dirigentes das 29 entidades da administração central directa e indirecta entrevistados dá nota positiva à qualidade do trabalho e refere que a produtividade se manteve igual ou melhorou por comparação com o registado quando os trabalhadores estão em regime presencial.

“Cerca de 60% dos dirigentes respondentes avalia a qualidade do trabalho como sendo a mesma, independentemente de os seus trabalhadores estarem a trabalhar presencialmente ou em teletrabalho”, refere o estudo, precisando que “27,27% dos dirigentes acham que a qualidade do trabalho melhorou ou melhorou muito quando desempenhado em regime de teletrabalho”.

Apenas 12,41% dos dirigentes dão nota negativa quando questionados sobre a qualidade do trabalho desenvolvido em teletrabalho.

O estudo revela ainda que a maioria dos dirigentes (66,61%) não encontrou resistência ao teletrabalho por parte dos trabalhadores, enquanto 52% refere também não ter havido nunca ou quase nunca resistência quando as condições permitiram o regresso ao trabalho presencial.

“Não obstante, 37,41% referem que esta resistência [de regresso ao trabalho presencial] se manifestou por vezes e 9,79% admitem que ela se fez notar sempre ou quase sempre”, refere o estudo.

Apesar de a forte subida do recurso ao teletrabalho ter sido imposta pela pandemia, 86,71% dos dirigentes inquiridos admitem ser este o momento adequado para que se repensem estruturalmente os modelos de organização do trabalho na Administração Pública portuguesa.

Nesta reflexão sobre os modelos de organização do trabalho no sentido da promoção da flexibilidade e da monitorização dos impactos, deve-se evitar “o completo isolamento”, consideram ainda os inquiridos.

“A maioria dos entrevistados concorda ser este o momento indicado para a revisão global dos modelos de organização do trabalho na Administração Pública portuguesa”, lê-se no estudo.

Por outro lado, e ainda que a maioria dos inquiridos acredite que o teletrabalho dá um contributo globalmente positivo para a conciliação da vida profissional e familiar alguns alertam para a necessidade de ser realizada uma avaliação da conciliação fora do contexto da pandemia.

Falta de contacto e aumento de despesas são pontos negativos

Os funcionários públicos apontam a falta de contacto com colegas e o aumento de despesas como os pontos mais negativos do teletrabalho, e a redução do tempo em deslocações como o mais positivo.

Os resultados do inquérito revelam que a redução do contacto presencial com os colegas é para 78% dos funcionários públicos um dos pontos negativos do teletrabalho. Mas não é o único: 66% dos inquiridos aponta o aumento de gastos com Internet, energia, computadores e outros elementos necessários para trabalhar em casa, 63% a possibilidade de trabalhar mais horas sem dar por isso, havendo ainda 57% que consideram como ponto negativo o perigo de maior isolamento social.

Por outro lado, a maior parte (72%) considerou o ganho de tempo pelo facto de se evitarem deslocações casa-trabalho-casa como uma das maiores vantagens do teletrabalho, havendo 54% que apontou também o efeito positivo na conciliação da vida profissional e familiar e 52% que vêem nesta organização do trabalho imposta pela pandemia um contributo para se repensar de forma estrutural os modelos de organização do trabalho na Administração Pública.

De acordo com o estudo, entre os trabalhadores que estiveram em teletrabalho mais de um terço (37%) afirmou que a entidade empregadora não lhe disponibilizou quaisquer meios ou equipamentos para poder realizar a sua actividade em teletrabalho.

A estes somam-se 28,28% que admitem que houve uma disponibilização parcial de meios, sendo que 34,7% afirmam ter havido disponibilização dos meios e equipamentos necessários para o teletrabalho.

“De entre as entidades estudadas, foram os trabalhadores das direcções-gerais os mais penalizados com a ausência de distribuição de meios tecnológicos (cerca de 49%)”, refere o estudo, assinalando que “dos dados recolhidos resulta evidente que sem os meios tecnológicos particulares fornecidos pelos próprios teletrabalhadores, o teletrabalho na Administração Pública central durante a pandemia ter-se-ia revelado de execução muito mais difícil.

Recorde-se que na sequência do primeiro confinamento geral, em 2020, cerca de 68 mil funcionários públicos estiveram em teletrabalho e em 2021 esse número foi de 60 mil.

O estudo teve respostas de 4445 trabalhadores, num universo dos mais de 42 mil funcionários de 29 entidades como a Autoridade Tributária e Aduaneira, a Autoridade para as Condições do Trabalho, o Instituto dos Registos e Notariado, várias direcções-gerais e secretarias-gerais de diferentes ministérios ou o Turismo de Portugal.

Apesar de até Março de 2020, apenas pouco mais de 1% destes trabalhadores ter tido alguma experiência de teletrabalho, o estudo indica que a quase totalidade dos trabalhadores que teve de trabalhar a partir de casa não revelou problemas de adaptação.

“O nível de conhecimentos informáticos da maioria dos trabalhadores não se revelou como óbice à possibilidade de trabalharem em regime de teletrabalho. Com efeito, das 29 entidades inquiridas, 21 afirmaram que os conhecimentos informáticos dos trabalhadores se revelaram suficientes para poderem trabalhar remotamente”, assinala o estudo.

Os dirigentes entrevistados também não reportaram a existência de desafios desiguais de adaptação ao teletrabalho de carreira para carreira, tendo indicado a comunicação como o maior desafio do teletrabalho, seguindo-se a coordenação das equipas e o problema dos equipamentos.

Quando questionados sobre o local em que, no futuro, poderiam desenvolver o seu trabalho em regime de teletrabalho, a esmagadora maioria dos inquiridos (88%) “elege o domicílio como o lugar de eleição”.

A maioria (68,86%) também é da opinião que o teletrabalho fomenta a conciliação da vida profissional, familiar e pessoal e apenas 16,69% pensam de maneira inversa.

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