Vamos precisar de nervos de aço

Ainda não temos todos os dados capazes de explicar a explosão no número de contágios (estará a nova variante do coronavírus espalhada pela população?), mas é fácil constatar que acabou o ligeiro estado de graça alimentado com a esperança da vacina.

Há muito tempo que o país habituado a viver com os sobressaltos da covid-19 não apanhava murros no estômago com a violência dos desta quarta-feira: superou-se a barreira dos 10 mil infectados num único dia; e abundaram as notícias sobre o congestionamento de vários hospitais do SNS e os alertas sobre o perigo iminente de ruptura em serviços de internamento ou nos cuidados intensivos. Ainda não temos todos os dados capazes de explicar a explosão no número de contágios (estará a nova variante do coronavírus espalhada pela população?), mas é fácil constatar que acabou o ligeiro estado de graça alimentado com a esperança da vacina. E regressou com naturalidade o azedo debate sobre uma eventual lassidão do estado de emergência decretado para o Natal. É sobre isto que vale a pena reflectir.

É natural e lógico que muitos se sintam no direito de dizer que o que aconteceu esta quarta-feira estava escrito nas estrelas – que o Governo foi brando e deveria ter aplicado medidas mais duras de confinamento e de restrições na circulação no Natal, que os portugueses são irresponsáveis e só reagem ao perigo sob o lema da emergência ou da coacção. Mas, se esta discussão é inevitável, evite-se contaminá-la com argumentos motivados pelo desalento, pela revolta com um inferno que não nos larga ou pelo ressentimento que tende a considerar que neste contexto de pandemia tudo se resolve ou tudo se compromete com as decisões do Governo e das autoridades. Não é assim ou, pelo menos, não é exactamente assim.

O que se pressentiu no momento em que se anunciaram as medidas que concediam uma folga no Natal e mantinham um travão no Ano Novo era um equivalente a um risco assumido. O Governo e as autoridades sabiam que essa folga teria um preço – mas seria um preço controlável, se fosse baixo. Foi neste contexto que o primeiro-ministro largou uma frase tão profética como desculpabilizadora. “O que se fizer no Natal vai determinar as próximas semanas”, disse António Costa. Na mensagem havia tanto uma recomendação de responsabilidade como a constatação de que, inevitavelmente, o Natal levaria a um aumento de casos. Com ou sem restrições, o Natal enfeitado com vacinas e com um ligeiro abrandamento dos casos seria sempre um momento irrecusável para os portugueses fazerem compras e celebrar com as suas famílias e amigos.

Numa pandemia, a origem dos problemas está sempre na natureza dos vírus. Mais importante por isso do que distribuir culpas, é reunir energia para o que nos espera. E o que nos espera é muito provavelmente o pior momento da pandemia. Vai ser preciso muita coragem, resistência, confiança, solidariedade, união e nervos de aço para o vencer.

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