Provedora de Justiça diz que Portugal falhou com direitos de imigrantes nos centros do SEF

Maria Lúcia Amaral está no Parlamento, a propósito de um requerimento do PS, para ser ouvida sobre divulgação de testemunhos de possíveis condutas atentatórias dos direitos humanos no centro do SEF no aeroporto.

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Rui Gaudencio

A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, disse esta terça-feira que Portugal falhou na aplicação dos direitos dos imigrantes que ficam detidos nos centros de instalação temporária geridos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A provedora citou a lei de estrangeiros, que define que durante a permanência nestes locais o cidadão “pode comunicar com a representação diplomática ou consular do seu país ou com qualquer pessoa da sua escolha, beneficiando, igualmente, de assistência de intérprete e de cuidados de saúde, incluindo a presença de médico, quando necessário, e todo o apoio material necessário à satisfação das suas necessidades básicas”.

Maria Lúcia Amaral afirma que, em todas as suas visitas, verificou que nenhum “destes direitos pode ser garantido”: “Foi aí que verdadeiramente falhámos”, declarou aos deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

A provedora está esta terça-feira numa audição, por videoconferência, a pedido do PS, enquanto representante do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura (MNP),  órgão que tutela, sobre a divulgação de testemunhos de possíveis condutas atentatórias dos direitos humanos no Centro de Instalação Temporária (CIT) do aeroporto de Lisboa,  gerido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Como disse o gabinete de imprensa da provedora em e-mail ao PÚBLICO a 10 de Dezembro, o MNP visitou duas vezes aquele CIT, uma em Julho e outra em finais de Novembro.

A provedora sublinhou que “não há duvida de que as regras do jogo vão e estão a mudar”. Defendeu a necessidade de revistar a lei de 1994 que criou estes centros, pensados como “situações excepcionais” mas que se vieram a tornar locais que são “ridiculamente dimensionados” em que acolhem pessoas que podem ficar ali durante 60 dias. “O facto de não se ter resolvido o problema torna insustentável esta situação.”  

Disse ainda: “Tenho sempre dito e repetido que a sobrelotação era, em si mesmo, um factor de risco.” Recordou o caso em que houve uma epidemia de varicela no CIT de Lisboa em que estavam ali detidos cerca de 100 pessoas.”

Sala de isolamento chumbada 

A 10 de Dezembro, a Provedora de Justiça criticou ao PÚBLICO a existência de uma sala de isolamento no CIT, criada já depois da morte de Ihor Homenyuk e prevista no novo regulamento do centro de instalação temporária do aeroporto, assinado pelo ministro a 30 de Julho. Num e-mail, a provedora referiu que essa sala “permite um nível de subjectividade incompatível com garantias fundamentais de todos os cidadãos”. E disse mesmo que as dúvidas sobre o quarto de isolamento foram transmitidas ao SEF depois de uma visita em Fevereiro de 2020 a outro centro de detenção que fica no Porto, a Unidade Habitacional de Santo António (UHSA), onde existe um quarto semelhante.

O novo regulamento foi criado após a morte do ucraniano Ihor Homenyuk, a 12 de Março, da qual são suspeitos três inspectores do SEF, que estão em prisão domiciliária acusados de homicídio qualificado. Na semana passada o ministro Eduardo Cabrita esteve no Parlamento a prestar esclarecimentos sobre o CIT e as circunstâncias da morte de Ihor Homenyuk. Foi lá que anunciou o 13º processo disciplinar a um inspector do SEF, João Ataíde, o coordenador que dirigia o gabinete de inspecção do SEF.

Nesse e-mail a provedoria justificava que o recurso a um quarto de isolamento, “quando não enquadrado num procedimento disciplinar claramente estabelecido”, “levanta vários problemas, destacando-se a questão de justiça material e a ausência de possibilidade de contestar a decisão”.

A provedoria só recentemente recebeu o novo regulamento do centro de detenção de Lisboa e está a analisá-lo. José Magalhães, deputado do PS, disse que os deputados iriam analisar este regulamento.

De acordo com o novo regulamento, pode ser decidida pelo responsável do centro a colocação de um cidadão naquele quarto “quando, devido ao seu comportamento, resulte perigo sério de evasão ou de prática de actos de violência contra si próprio ou contra pessoas ou coisas”. Este quarto também funciona para isolar doentes com covid-19 e, segundo o Ministério da Administração Interna (MAI), trata-se de uma medida “especial de segurança” que tem de ser comunicada ao director nacional. Mas há quem considere que o espaço acarreta o risco de ser usado para práticas de tortura. 

Botão de pânico

Já a existência de um botão de pânico em cada quarto individual, que serve segundo o regulamento para “salvaguardar” os detidos, teve naquela resposta o aval da provedora: “Como o nome indica, está pensado para casos de urgência, por exemplo para quando uma pessoa esteja com um problema agudo de saúde e não consiga deslocar-se ou comunicar de outra forma. É um dispositivo que, se devidamente instalado e usado, pode contribuir para a salvaguarda do cidadão detido.”

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, tinha dito ao PÚBLICO a 3 de Novembro que o espaço fora reaberto com a aprovação da provedoria e que tinham sido colocadas câmaras de videovigilância em todas as zonas. Mas na segunda visita, em finais de Novembro, o MNP notou que “persistiam situações que careciam de melhoria” e uma delas era “a cobertura adequada e melhorada dos espaços por câmaras de vigilância”. O MNP defende “a instalação de câmaras de videovigilância nos espaços de detenção em todos os locais adequados de modo a garantir a transparência da actuação das autoridades”.

Outras das críticas prende-se com a falta de acesso dos estrangeiros aos folhetos informativos em diversas línguas sobre os seus direitos, bem como a meios de contacto com a Provedoria de Justiça e a Ordem dos Advogados.

Nessa resposta de 10 de Dezembro, Maria Lúcia Amaral vincou ao PÚBLICO a “necessidade urgente” de criar um centro fora do aeroporto de Lisboa e remodelar os outros. Urgente é também “a uniformização de procedimentos na privação de liberdade de cidadãos estrangeiros”. E continua a defender que os estrangeiros não devem ficar detidos mais do que 48 horas nestes centros. Aliás, no recente relatório do MNP, registava-se que Portugal era o único de 17 países que detinha estrangeiros além desse tempo. Todos estes centros “são espaços exíguos ou muito limitados, desadequados para permanências além de escassos dias”.

Já sobre a detenção de menores, que o novo regulamento ainda prevê, refere que a existência de um quarto para famílias no centro é “uma melhoria”, mas a sua posição de base permanece: “A detenção de crianças migrantes é sempre contrária ao seu superior interesse.”

A provedoria também fez elogios ao Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária, na sigla completa: a passagem de camaratas para quartos individuais, com cartão de entrada e possibilidade de utilização de telemóvel, a criação de quartos para famílias, e o facto de este centro deixar de ser utilizado para requerentes de asilo. Salienta ainda que na segunda visita não havia nenhum cidadão estrangeiro no centro por isso “a apreciação globalmente positiva das alterações operadas é necessariamente preliminar”.

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