Em democracia há valores que não podem ser opcionais

Qualquer aluno deve poder ter um espaço livre para expressar as suas opiniões, sendo elas maioritárias ou minoritárias. Contudo, nenhum pai tem o direito de impedir que o seu educando tenha acesso a uma disciplina como Cidadania e Desenvolvimento, da mesma forma que não pode impedir o acesso a disciplinas como Matemática, Português, História ou Educação Física.

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Sergio Azenha

Ao longo dos últimos dias, surgiu um debate sobre a disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento que deixou o país dividido. Professores universitários, políticos (por exemplo, um ex-primeiro-ministro e um ex-Presidente da República) e membros da Igreja uniram-se em torno de um abaixo-assinado para defender a objecção de consciência dos pais que não queiram que os seus filhos frequentem esta disciplina. 

Enquanto estudante que recentemente acabou o ensino secundário, sinto que uma opinião muito comum por parte dos alunos é que consideram necessário existir um espaço de discussão sobre temas contemporâneos, que nos permita formar opiniões em liberdade, que nos permita melhorar enquanto cidadãos. Um espaço onde nos tornamos mais conscientes sobre os problemas do nosso tempo e onde aprendemos a respeitar o próximo, independentemente das suas crenças religiosas, da sua orientação sexual, etc. 

Talvez por nunca me ter sido dada a oportunidade de ter uma disciplina assim é que valorizo tanto a sua existência e aprecio muito ver que os alunos do ensino básico e secundário têm esse espaço importante para o seu desenvolvimento pessoal. Fico abismado ao ver tantas figuras dos sectores dinâmicos da nossa sociedade a fazer oposição a um veículo preponderante na promoção da cidadania, esquecendo-se que uma sociedade livre, democrática e emancipada constrói-se com cidadãs e cidadãos informados e que não se deixam convencer por ideologias totalitárias, que são um atentado contra a dignidade humana. 

É sempre um alívio ver que esta agenda conservadora tem uma resposta massiva. Diversas personalidades, entre as quais Ana Gomes, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Daniel Oliveira, Alexandre Quintanilha, Catarina Marcelino e Miguel Somsen, uniram-se pela defesa de uma educação livre enquanto direito constitucional. Uma educação que não é um momento de liberdade para os pais, mas sim um momento onde os alunos podem aprender todo o tipo de conteúdos de forma neutra e com rigor científico, sendo esta uma função de um Estado democrático. 

Se formos analisar os conteúdos desta disciplina, vemos que as temáticas a abordar são, por exemplo, os direitos humanos, a igualdade de género, a interculturalidade, entre muitos outros temas, cujos debates devem, na minha opinião, ser promovidos por qualquer sistema de ensino moderno. 

Qualquer aluno deve poder ter um espaço livre para expressar as suas opiniões, sendo elas maioritárias ou minoritárias. Contudo, nenhum pai tem o direito de impedir que o seu educando tenha acesso a uma disciplina como estas, da mesma forma que não pode impedir o acesso a disciplinas como Matemática, Português, História ou Educação Física. 

A comparação com a disciplina de Educação Moral e Religiosa é totalmente descabida, pois, vivendo num Estado laico, ter ou não ter crenças religiosas é estritamente uma reflexão individual e opcional. Mas, em democracia, há valores que não podem ser opcionais. 
Por isso, subscrevi o manifesto “Educação para a Cidadania e Desenvolvimento"

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