Covid-19: 30% das crianças e jovens estão sem escola desde o início da pandemia

Investigação da OCDE mostra que muitos alunos ficaram sem qualquer acesso à escola. Mas houve muitos casos de sucesso de professores a usar WhatsApp e telemóveis para manter o contacto com os alunos.

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Muitos alunos ficaram sem acesso à escola Paulo Pimenta

Pelo menos 30% das crianças e jovens em todo o mundo estão sem qualquer acesso à escola desde o começo do período de isolamento social. Os que tiveram aulas apenas conseguiram completar metade das aprendizagens previstas para o ano lectivo anterior. Desigualdades socioeconómicas, necessidades especiais e falta de acesso à Internet estão entre os maiores problemas. Os dados fazem parte da investigação Educação Interrompida, Educação Repensada”, da OCDE, cujos resultados preliminares foram apresentados, esta quarta-feira, na conferência de educação Virtual Educa, um dos maiores eventos mundiais de educação.

“O nosso estudo mostrou como a pandemia social trouxe as desigualdades socioeconómicas à tona. Vemos que há crianças que vivem em ambientes agitados e barulhentos, sem um espaço próprio para estudar ou sem acesso à Internet, e que há outros miúdos com quartos só para eles e uma fantástica ligação online”, começa por destacar ao PÚBLICO Fernando Reimers, um dos coordenadores do estudo, professor na Universidade de Harvard, e membro da iniciativa Futuros da Educação da UNESCO.

“Sempre se soube isso, claro, mas achava-se que não era importante porque a escola equilibrava a balança. Só que agora vemos que isto é uma ilusão e as crianças não têm todas as mesmas condições nem o mesmo apoio”, diz.

Matemática via WhatsApp

O coordenador do estudo prefere, no entanto, focar os aspectos positivos. “A verdade é que os professores que entrevistámos dizem que conseguiram chegar a 70% dos alunos, que era algo que não se previa de todo no começo da crise de covid-19. Em Março, nenhum país tinha um plano B para a educação”, sublinha Reimers.

Ao todo, a equipa do docente — que contou com o apoio do Banco Mundial e da Iniciativa Global de Inovação da Universidade de Harvard — contactou mais de nove centenas de governantes, directores e professores de escolas públicas e privadas em todo o mundo entre 25 de Abril e 7 Maio. Seguiram-se entrevistas mais a fundo sobre escolas com métodos inovadores para chegar aos alunos, como gravar em vídeo pequenos sketches de humor sobre Espanhol e Matemática, partilhados no WhatsApp.

“Tudo começou porque na investigação preliminar, que começámos há quatro meses, percebemos que não havia qualquer plano de contenção. Achei que íamos ver a maior perda educacional num século e não queria estar a divulgar um estudo tão pessimista. Ao procurar casos de sucesso, porém, percebemos que muitos professores estavam a avançar com estratégias individuais, independentemente do Governo”, lembra Reimers.

O telemóvel tornou-se o maior elo de ligação entre alunos professores. “No Chile, por exemplo, dois professores começaram a gravar aulas de Espanhol e Matemática, com piadas à mistura, e a enviar aos alunos por WhatsApp. Inspiraram-se com um caso semelhante na Nigéria. Os vídeos tornaram-se virais e acabaram a ser transmitidos em rádios locais e, mais tarde, nacionais”, partilha o professor de Harvard.

Reimers acredita que o foco dos professores, pais e Governos para manter o sistema de ensino a funcionar mostra que as pessoas aprenderam com a História. “Admito que fiquei surpreendido ao perceber que a ideia de que todas as crianças devem ter uma educação e devem ir à escola está enraizada na mente das pessoas e é uma prioridade”, admite. “A última vez que tivemos uma pandemia, com a gripe alemã de 1918, não era o caso. E isso contribuiu para a ascensão do nazismo, porque muitas pessoas viviam à margem da sociedade, sem qualquer tipo de apoio das autoridades e do Governo, e acabaram por se juntar a grupos de extrema-direita para procurar uma solução.”

No “regresso à normalidade”, Reimers espera que os professores mantenham parte da inovação que mostraram nos últimos meses. “Há elementos positivos e o nosso estudo mostra isso. Se apenas nos centrarmos nos pontos negativos, empurramos a ideia de desespero de 1918 de que não há esperança”, justifica o professor. “Desde a pandemia e o isolamento social, muitos pais têm estado muito mais concentrados na educação dos filhos do que antes. E os professores perceberam que têm de confiar nos pais e alunos e que é importante serem parceiros”, sugere Reimers, que prevê que o modelo de ensino do futuro passe a dar prioridade ao ensino autónomo.

“Mais do que usar novas tecnologias, a pandemia veio mostrar que é preciso criar ambientes para os alunos aprenderem sem o professor, com maior autonomia e maior gestão de horários e tarefas”, frisa. Segundo os inquéritos realizados, 57% dos responsáveis de educação dos países acredita que o futuro irá incluir um “modelo híbrido” de ensino presencial e à distância. “Nos próximos meses, todas as escolas em Portugal e no mundo têm de ter um Plano B para o caso de ser necessário interromper as actividades presenciais novamente. O currículo deve passar a permitir um ensino independente.”

A conferência Virtual Educa decorre até dia 23 de Julho e contará com a participação de 300 mil professores de todo o mundo. 

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