UE alcança acordo histórico e fecha plano de 1,8 biliões de euros para responder à crise

Numa reunião extraordinária do Conselho Europeu, que só terminou ao fim de cinco dias, os 27 adoptaram um ambicioso plano de recuperação económica cujo financiamento assenta na emissão de divida conjunta. “Demos um passo de gigante”, notou António Costa.

Uma longa negociação para a mais grave crise: 1,8 biliões de euros para recuperar UE Vera Moutinho

Os 27 chefes de Estado e governo da União Europeia aprovaram, esta terça-feira, um pacote global de 1,8 biliões de euros para apoiar a recuperação da actividade, paralisada pela pandemia do novo coronavírus, e promover a transformação da economia num sentido mais verde, inclusivo e digital.

Por aclamação, os líderes aprovaram as propostas para a criação de um novo instrumento financeiro para acelerar a recuperação da crise no valor de 750 mil milhões de euros, financiado através da emissão de dívida conjunta da União Europeia e canalizado através dos programas do próximo quadro financeiro plurianual para 2021-27, que terá um volume total de 1,074 biliões de euros.

“Daqui enviamos um forte sinal de confiança e de unidade. A Europa está presente”, afirmou o presidente do Conselho Europeu. Empolgado com o resultado final da reunião, a segunda mais longa de sempre, Charles Michel foi mais longe, declarando que os 27 fizeram prova da “magia do projecto europeu”, baseado no respeito e na cooperação. “Quando pensamos que alguma coisa é impossível, somos sempre capazes de surpreender e dar um salto em frente”, garantiu.

O acordo possível chegou, não na 25.ª hora, mas já ao quinto dia de uma cimeira europeia cujo desfecho foi saudado como “histórico” por quase todos os líderes, em quase todas as línguas oficiais da UE. Menos em holandês: o primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, disse que essa não seria a palavra que escolheria para descrever o resultado da reunião, que deixou evidentes as visões distintas do projecto europeu dos vários Estados membros têm do projecto europeu.

Rutte liderou um bloco de cinco países, conhecido como o grupo dos “frugais”, que rejeitava à mutualização da dívida europeia e às transferências directas entre países. A sua oposição não foi ao ponto de inviabilizar a solução desenhada para garantir um financiamento “rápido e robusto”, capaz de responder às necessidades urgentes dos governos e agentes económicos: uma operação financeira de larga escala, em que a Comissão recorre aos mercados em nome dos 27, que terão de concordar com novos recursos próprios — como uma futura taxa digital ou sobre as transacções financeiras — para pagar a dívida.

Porém, a pressão dos frugais obrigou a rever, por várias vezes, o montante a que os Estados membros vão poder aceder a fundo perdido, e as condições para a autorização e execução dos respectivos planos nacionais de recuperação e resiliência. “Mantivemo-nos dentro das nossas linhas vermelhas”, apontou, referindo-se às exigências feitas pelos Países Baixos, Áustria, Dinamarca e Suécia, que vão gozar de um desconto (“rebate”) significativamente superior nas suas contribuições para o orçamento comunitário.

“Não foi fácil, dadas as posições muito diferentes com que nos confrontámos. Mas penso que no fim, mostrámos a nossa determinação e saímos daqui convencidos que tomámos a decisão correcta quanto ao que devemos fazer”, afirmou a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, que abriu o caminho à criação do fundo de recuperação e se declarava feliz com a “boa solução” aprovada pelo Conselho Europeu.

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Kyriakos Mitsotakis, Pedro Sánchez, António Costa, Angela Merkel e Klaus Iohannis à conversa no quinto dia da cimeira europeia Stephanie Lecocq/Reuters

“A Europa demonstrou que é capaz de abrir novos caminhos em situações muito especiais. Lançamos aqui as fundações financeiras para a União nos próximos sete anos”, prosseguiu Merkel, numa conferência de imprensa ao lado do seu principal aliado, Presidente de França, Emmanuel Macron. “É uma mudança histórica para a Europa e a zona euro”, garantia o líder gaulês.

“Negociámos durante quatro longos dias e quatro longas noites, creio que foram mais do que 90 horas. Mas valeu a pena”, concordou a presidente da comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que não escondeu o seu alívio, e ao mesmo tempo um certo desconsolo, por ter visto a ambição inicial do seu plano reduzida em nome do compromisso.

No final da longa maratona negocial, a maioria dos líderes mostrava-se satisfeita. “Um sucesso. Parabéns a todos nós”, reagiu o Presidente da Lituânia, Gitanas Nauseda. “Um pacote global muito forte e significativo, que deixa a Europa em boa posição para os desafios do futuro”, disse o recém-empossado taoiseach (primeiro-ministro) irlandês, Michéal Martin.

Entre os mais entusiastas estavam os dois governantes dos países onde a crise sanitária se sentiu de forma mais aguda. “Este é um grande acordo para a Europa e um grande acordo para a Espanha”, considerou o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, estimou que o apoio da UE permitirá “mudar definitivamente a face” do seu país.

Para o primeiro-ministro, António Costa, o acordo alcançado é simultaneamente “um sinal importante de confiança para o esforço de recuperação económica e social” da crise provocada pela pandemia, e uma “enorme responsabilidade para Portugal”, que nos próximos sete anos vai ter disponíveis 45,085 mil milhões de euros a fundo perdido para o investimento, somando os envelopes do novo fundo de recuperação “Próxima Geração UE” e dos programas do orçamento de longo prazo da UE. “É um aumento de 37% relativamente ao anterior período de programação”, sublinhou o primeiro-ministro.

Apesar de o compromisso final ter reduzido o valor da parcela do fundo de recuperação que será distribuído sob a forma de subvenções, de 500 mil milhões para 390 mil milhões, Portugal conseguiu assegurar praticamente o mesmo envelope que lhe tinha sido pré-alocado na proposta inicial. Na componente a fundo perdido, o país beneficiará de um montante de 15,266 mil milhões de euros para projectos a executar até 2026. Na componente de empréstimos, terá acesso a mais 10,8 mil milhões de euros.

No próximo quadro financeiro plurianual, o envelope nacional para pagamentos ascende a cerca de 30 mil milhões de euros, um montante que fica abaixo do valor do actual orçamento, prestes a terminar. Segundo o primeiro-ministro, na elaboração do novo quadro, condicionado pela saída do Reino Unido, um dos maiores contribuintes para o orçamento, o objectivo de Portugal foi manter o actual nível de financiamento para a política de coesão e para o segundo pilar da Política Agrícola Comum, relativo ao desenvolvimento rural.

E de acordo com Costa, o país não só manteve os respectivos envelopes como ainda beneficiará de uma dotação suplementar de 300 milhões de euros para cada um deles. O primeiro-ministro anunciou ainda que o Governo decidiu afectar o montante suplementar de 300 milhões de euros da política da coesão a um novo programa especifico que vai ser criado para a região do Algarve, uma região em transição e que foi particularmente afectada pela crise por causa do impacto da pandemia no sector do turismo.

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