Está confirmado. Precisamos de mais Faculdades de Medicina

A falta de médicos em Portugal é evidente e mais grave numas especialidades do que noutras. A pandemia em curso realçou as carências. Queremos mais ventiladores, mas talvez fosse bom começar por ter mais intensivistas e anestesistas

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Futuros médicos que se voluntariaram para o combate à covid-19 Paulo Pimenta

De acordo com notícia publicada neste jornal, na sequência de despacho impresso em Diário da República, pela primeira vez em dez anos, as Faculdades de Medicina podem aumentar o número de vagas no próximo ano lectivo. O problema é que, sendo uma autorização em que o ministério da tutela faculta uma possibilidade e não uma definição de número de alunos, o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), está contra. Começam por dizer que não foram consultados, o que o Professor Manuel Heitor, ministro com a responsabilidade do ensino superior, nega. Nem sei se, não tendo acontecido, essa consulta teria de existir em termos legais para lá da mera cordialidade institucional. Não me parece o mais importante.

Ripostaram também, os directores das Faculdades, que não valeria a pena formar mais médicos, nem as escassas dezenas a mais que o despacho propõe. Houve até quem tenha dito que estariam “a formar pessoas que iriam emigrar, ficar desempregadas, ou ser exploradas, escravizadas”. No entender do académico, sem desprimor para a qualidade intelectual de pessoa que muito estimo, a formação de médicos é diversa da de outros licenciados, sendo que esses, os não médicos, já poderão estar desempregados quando o desemprego médico é residual em termos mundiais ou ser explorados, coisa que já acontece aos médicos em Portugal mesmo sendo poucos, ou escravizados, situação que obviamente já pode acontecer a juristas, jornalistas ou afins.

Note-se que os médicos não poderão emigrar, embora aos candidatos a estudantes de medicina se imponha muitas vezes essa opção, porque não há vagas suficientes em Portugal e outros Países, nada visionários, “oferecem” formação médica a preços de ouro. Outro argumento foi de que “"o aumento do número de alunos, a verificar-se, iria naturalmente degradar a qualidade do ensino, sobretudo nas vertentes clínicas, dada a manifesta incapacidade de cumprir rácios aceitáveis”. Logo, se nem para mais uns quantos lugares há capacidade, fica evidente a necessidade de rapidamente se providenciar para o início de ensino privado ou cooperativo de medicina. O monopólio de Estado dá no que se vê.

A falta de médicos em Portugal é evidente e mais grave numas especialidades do que noutras. A pandemia em curso realçou as carências. Queremos mais ventiladores, mas talvez fosse bom começar por ter mais intensivistas e anestesistas. Há falta de médicos em todo o mundo e definir a formação apenas em função dos rácios de necessidade imediata no território nacional é condenar quem queira ser médico a ficar à espera do desaparecimento dos que já exercem. Também convirá que os médicos e as suas associações profissionais consigam que a remuneração não dependa da escassez de mão de obra, mas sim do reconhecimento do valor social e económico acrescentado pelos esculápios, dos riscos e das responsabilidades inerentes a ser médico.

O ministro deveria ter imposto e não apenas permitido o aumento de vagas. Mas o governo, devo reconhecer, foi brilhante. As Faculdades de Medicina e até a Ordem dos Médicos morderam e engoliram o isco. Falaram de mais. Ainda bem para todos nós. Ficou clara a necessidade de ir procurar outras soluções, nomeadamente no sector privado, para garantir que Portugal possa formar mais médicos.

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