Quando é que a dieta não é suficiente?

Poucos serão os obesos que gostam do que veem ao espelho. Alguns não são capazes de atar os sapatos ou tratar da sua própria higiene. Com a obesidade há perda de auto-estima e de qualidade de vida.

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Com a dieta, os resultados nem sempre são os desejados e, a partir de determinado momento, deixa de ter efeito Louis Hansel @shotsoflouis/Unsplash

Numa altura em que quase não se fala de outra coisa que não seja a pandemia da covid-19, que alterou as nossas vidas e preenche 80% dos telejornais, julgo que podemos falar de outra pandemia, que hoje se lembra, que é mais antiga e que mata mais gente por ano do que a infecção pelo novo coronavírus. De facto, a incidência de obesidade tem aumentado de forma progressiva em todo o mundo, e Portugal não é excepção — temos cada vez mais obesos adultos e, mais grave, temos cada vez mais crianças obesas.

Poucos serão os obesos que gostam do que veem ao espelho. Alguns não são capazes de atar os sapatos ou tratar da sua própria higiene. Com a obesidade há perda de auto-estima e de qualidade de vida.

Cerca de 400 anos a.C., Hipócrates dizia que o obeso tem maiores probabilidades de ter uma morte súbita. Isto já na altura significava que a obesidade é acompanhada por uma série de doenças a que chamamos comorbilidades; estas comorbilidades, além de reduzirem drasticamente a qualidade de vida, contribuem para, ou são mesmo, causa de morte. A lista destas doenças é muito extensa, mas podemos mencionar como mais importantes: a diabetes com as suas complicações (ex: cegueira, necessidade de amputação de membros), as doenças cardiovasculares (ex: infarto do miocárdio), a patologia respiratória (ex: apneia do sono), problemas do fígado (ex: fígado gordo, cirrose), e o aumento da incidência de algumas doenças oncológicas (ex: cancro do cólon, cancro do ovário, cancro da próstata). Muito haveria a dizer sobre estes e outros problemas que acompanham a obesidade para tornar claro que esta é uma doença de direito próprio e que é importante tratá-la de forma eficiente.

“Como é que tratamos esta doença?” Alguns têm insistido na terapêutica comportamental, argumentando que se consumimos mais calorias do que necessitamos é porque o nosso comportamento alimentar é inadequado. Considero esta abordagem importante, mas também sei que não é suficiente para os grandes obesos.

Têm sido utilizados diversos fármacos que reduzem o apetite ou diminuem a absorção dos alimentos. Estes podem ser utilizados só por tempo limitado, têm efeitos secundários (ex: incontinência, flatulência, dor abdominal, diarreia) e vários têm sido retirados do mercado. Alguns remédios continuam a ser administrados, mas apenas como adjuvantes.

A primeira abordagem da obesidade tem sido a dieta; porém, todos os que alguma vez fizeram dieta sabem o quão difícil é fazê-la, os sacrifícios que implica e conhecem a lentidão da perda de peso. Muitos também sabem que os resultados nem sempre são os desejados e que, a partir de determinado momento, deixa de ter efeito e deixamos de perder peso. Esta é a altura das frustrações, compensadas muitas vezes com um ou mais raids ao frigorífico, à caixa das bolachas ou dos chocolates. E assim continuamos até à próxima tentativa ou à nova dieta da moda que alguém já experimentou “com sucesso”, até voltar a aumentar de peso. São as conhecidas dietas “ioiô” com perda e reganho de peso; emagrecemos alguns ou vários quilos que voltamos a engordar, por vezes com alguns quilos adicionais.

Mas afinal, “quando é que a dieta deixa de ser suficiente?” Esta pergunta levanta imediatamente uma questão: “Qual é a alternativa?”

Muitas sociedades científicas e a própria Organização Mundial de Saúde afirmam que nos grandes obesos a cirurgia é o método mais eficaz para a perda de peso e para mantê-la a longo prazo. A esta cirurgia chama-se cirurgia bariátrica ou, mais modernamente, cirurgia metabólica, já que com isso também tratamos ou melhoramos muitas das complicações da obesidade.

Num doente obeso grave, quando foram feitas uma ou mais tentativas não cirúrgicas de perda de peso, a cirurgia é a alternativa que deve ser considerada. Se a obesidade não é tão grave mas existem as tais doenças acompanhantes (comorbilidades), a indicação para cirurgia é universalmente aceite.

Refiro agora duas situações particulares:

  • a diabetes tipo II — 80% destes doentes ficam curados da sua diabetes quando submetidos a cirurgia metabólica e, por essa razão, as sociedades europeia e americana de diabetes indicam a cirurgia metabólica como um dos tratamentos primordiais destes doentes, sobretudo se jovens ou com obesidade ligeira a grave;
  • a apneia do sono — é uma doença caracterizada por períodos de paragem respiratória durante o sono, frequentemente tratada com aparelhos que ajudam a respiração durante a noite. Se forem obesos, é muito grande a probabilidade de maus resultados com uma intervenção cirúrgica apenas dirigida ao tratamento da apneia do sono; estes doentes devem tratar primeiro da sua obesidade.

“Complicações, existem?” Não há cirurgia sem risco de complicações. Mas, à medida que o tempo passa, é maior a probabilidade de complicações da obesidade, como é maior e de mais difícil recuperação a perda de qualidade de vida. No actual contexto, o medo de infecção por coronavírus tem afastado muitos doentes dos hospitais. O hospital é um dos meios mais controlados e a possibilidade de contaminação é mínima e, certamente, inferior à frequência de outros espaços públicos. Temos tido vários doentes muito graves que poderiam ter sido tratados mais cedo e em melhores condições, se não fosse o medo que tiveram de se dirigir ao hospital. Importa que saibam que a actividade clínica programada já está a ser retomada e com medidas de segurança reforçadas.

A medicina é cada vez mais uma actividade de grupo e a cirurgia metabólica não é excepção. Necessitamos de uma equipe multidisciplinar que inclui cirurgião, endocrinologista, nutricionista e psicólogo. Dependendo do doente poderão ser necessárias outras especialidades, nomeadamente a medicina interna ou a cirurgia plástica.

Quando existe indicação, é melhor fazer a cirurgia mais cedo que mais tarde. Quanto mais tempo passa, sobretudo se há comorbilidades, maior o risco de complicações da própria doença e da cirurgia. A cirurgia metabólica/bariátrica não é uma cirurgia de urgência; inclusive há necessidade de fazer alguns estudos antes da intervenção e é fundamental que o doente esclareça com o seu médico/cirurgião todas as dúvidas que tenha. 

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