Estará a geração pós-Bolonha preparada para o e-learning?

Não será o domínio das “ferramentas” digitais, mas a mobilização de habilidades cognitivas, sociais e emocionais, em conjunto com a capacidade de autorregulação, de orientação para a tarefa e de autonomia, que poderá fazer a diferença na preparação desta geração pós-Bolonha para aprender em qualquer tempo, em qualquer lugar e apesar das circunstâncias.

Ao falarmos de gerações, pensamos nos “millennials” (“geração Y”, nascidos na década de 80 até meados de 90), que frequentam as instituições de ensino superior, ou mesmo nos que fazem parte da posterior “geração Z”, alguns dos quais estão agora a começar o percurso universitário. Neste texto, refiro-me a uma geração muito mais heterogénea, de pessoas de diferentes idades, proveniências, condições e contextos de vida, que iniciaram a sua vida académica após a reestruturação do ensino superior em Portugal, resultante dos compromissos decorrentes do Processo de Bolonha (DL 74, 2006). Considerando que uma das orientações deste processo é a de que o paradigma do ensino dê lugar ao da aprendizagem dos estudantes, estará esta geração “pós-Bolonha” preparada para o e-learning?

A atual crise provocada pelo coronavírus, cujo espectro total de consequências ainda está por desvendar, junta-se a outras três crises que, segundo referiu Boaventura de Sousa Santos em 1994, já enfrentava a educação superior: a crise de hegemonia, fruto do conflito entre as funções tradicionais do ensino superior e as que lhe têm vindo a ser atribuídas; a crise de legitimidade, provocada pelas exigências sociais da democratização da universidade e da reivindicação da igualdade de oportunidades para todos, e a crise institucional, resultante da contradição entre a autonomia que lhe é outorgada e a pressão crescente para submeter esta última a critérios de eficácia e de produtividade empresarial.

Passados 26 anos, os efeitos das referidas crises da Universidade acentuaram-se e os/as docentes têm que encontrar mecanismos para dar resposta ao acúmulo de funções atribuídas à educação superior no século XXI, para dar condições de aprendizagem a um público cada vez mais heterogéneo e, finalmente, tal como referimos numa outra situação, para gerir as exigências e o aumento da pressão e do controlo supranacional, bem como os constrangimentos financeiros que têm levado as universidades a “uma competição fundada em indicadores de internacionalização, de publicação científica e de envolvimento em projetos internacionais. Estas situações têm feito com que o papel dos/das docentes do ensino superior se altere, uma vez que estes e estas têm que conciliar as tarefas docentes com outras tarefas a nível de produção e difusão de conhecimento científico e de gestão de projetos, de fundos e de equipas, sendo que estas últimas têm sido cada mais valorizadas nos concursos de acesso e de progressão nas carreiras”.

Refletir sobre se os estudantes estarão preparados para as aulas online implica saber como eram organizadas as aulas antes da crise, que competências digitais possuem os estudantes e de que forma os recursos digitais estavam, até então, integrados no processo de aprendizagem.

Num estudo realizado em 2018 (Carlinda Leite e Angélica Monteiro), com estudantes de um curso de licenciatura, acerca das estratégias de ensino-aprendizagem no ensino superior, ainda que não possam ser generalizados, os aspetos consensuais a considerar nesta reflexão foram a existência de aulas, na maior parte do tempo, expositivas, a pouca frequência de utilização de estratégias que recorram a tecnologias digitais em contexto de sala de aula, assim como a não perceção do papel que estas podem ter na promoção de aprendizagens. Num outro estudo, em curso (das mesmas autoras), os estudantes afirmam possuir competências básicas de pesquisa, seleção e organização da informação, sendo as tecnologias digitais usadas principalmente para comunicação entre pares, troca de informações e partilha de ficheiros fora das aulas, que, até então, eram predominantemente presenciais.

Ora, o cenário inverteu-se abruptamente e o uso de tecnologias digitais passou a ser obrigatório, através da adoção da modalidade de e-learning. Neste clima de incerteza, os professores têm feito um esforço admirável para encontrar estratégias para a manutenção das aulas “tradicionais”, apesar da distância. Recorrendo, por exemplo, a aulas em vídeo e sessões síncronas através de videoconferência. Contudo, face ao compromisso assumido no Processo de Bolonha, o foco deverá ser o de assegurar as condições de aprendizagem dos estudantes. Não será o domínio das “ferramentas” digitais, mas a mobilização de habilidades cognitivas, sociais e emocionais, em conjunto com a capacidade de autorregulação, de orientação para a tarefa e de autonomia, que poderá fazer a diferença na preparação desta geração pós-Bolonha para aprender em qualquer tempo, em qualquer lugar e apesar das circunstâncias.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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