Recém-nascidos com covid-19 na China tiveram sintomas ligeiros

Grupo de cientistas acompanhou quatro recém-nascidos infectados com covid-19 na China. Desconhece-se como foram contagiados.

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Os bebés parecem ser menos afectados pela covid-19 do que os adultos Jorge Silva/Reuters

Como é que a covid-19 afecta os recém-nascidos? Cientistas chineses identificaram quatro recém-nascidos na China com a doença e observaram que todos eles tinham apenas sintomas ligeiros. Sabe-se que as suas mães tinham covid-19, mas não se conseguiu perceber se os bebés foram infectados antes ou depois do parto. Os resultados deste estudo são publicados na revista médica European Respiratory Journal

Estudos anteriores já tinham descrito as características clínicas da covid-19 em adultos e crianças com menos de um ano, mas sabia-se pouco sobre as características e o risco potencial de transmissão em recém-nascidos com 28 dias ou menos, destaca-se logo no início do artigo. Uma equipa de cientistas de diferentes instituições científicas da cidade chinesa de Wuhan (o epicentro inicial da pandemia na China) decidiu seguir então o rasto dessas informações e identificou quatro bebés recém-nascidos infectados com covid-19. Tinham entre 30 horas e 17 dias e três deles eram do sexo masculino. 

Observou-se que os bebés tinham febre, falta de ar, tosse e que um deles não tinha mesmo sintomas consideráveis. Nenhum teve complicações graves. Três destes recém-nascidos recuperaram até final do estudo, tendo alta depois de terem estado 16, 23 e 30 dias no hospital.

Quanto à transmissão, sabe-se que as mães destes bebés estavam infectadas com covid-19: três tiveram sintomas antes e uma depois do parto. Os bebés foram afastados das mães logo após o nascimento. “Mas não sabemos se os bebés foram infectados depois ou antes de terem nascido”, diz ao PÚBLICO Zhi-Jiang Zhang, investigador da Escola de Ciências da Saúde da Universidade de Wuhan e um dos autores do artigo.

Os cientistas dizem que é preciso mais investigação sobre este tópico e que, embora a transmissão intra-uterina possa ser uma possibilidade, também devem ser consideradas outras hipóteses, como a infecção hospitalar.

Outros estudos

Em meados de Março, estudos sobre grávidas com covid-19 também na China sugeriam que mães infectadas com o coronavírus não infectavam os filhos durante a gravidez. Em entrevista ao PÚBLICO, o neonatalogista Henrique Soares (director do serviço de Neonatologia do Hospital de São João, no Porto) também afirmou que “a probabilidade de transmissão do vírus, seja na gravidez seja através do leite materno, parece ser baixa ou inexistente”.

Uma investigação mais recente publicada na revista científica JAMA Pediatrics acompanhou 33 recém-nascidos em Wuhan de mães com covid-19. Apesar de terem existido procedimentos rigorosos para evitar a infecção, constatou-se que três desses bebés contraíram a doença, o que poderia significar que as mães tinham transmitido o vírus antes, durante ou directamente após o parto. Contudo, não se encontraram provas consistentes e os cientistas acabaram apenas por concluir que “é crucial monitorizar as mulheres grávidas e pôr em prática medidas rigorosas de controlo da infecção, aplicar a quarentena às mães infectadas e fazer uma monitorização rigorosa de recém-nascidos com o risco de contraírem a covid-19”.

Outros estudos também sugeriram que o vírus poderia passar através da placenta e que os recém-nascidos podiam ser “levemente afectados, se é que são mesmo”, refere o jornal norte-americano The New York Times. Mas estes estudos tinham poucas amostras e eram inconclusivos.

Quanto à amamentação, “não se sabe se as mães com covid-19 pode a transmitir o vírus através do leite materno”, de acordo com os Centros para Prevenção e Controlo das Doenças dos Estados Unidos. “Ninguém tem a certeza se a mãe pode infectar o bebé com coronavírus enquanto está grávida, durante a gravidez ou quando amamenta”, afirmou ao The New York Times Denise J. Jamieson, responsável pela ginecologia e obstetrícia da Escola de Medicina da Universidade de Emory, nos Estados Unidos. Em Portugal já nasceram bebés de mães infectadas com covid-19, mas (até agora) os testes terão dado negativo para todos os recém-nascidos e eles estão clinicamente bem. 

A Organização Mundial de Saúde também publicou algumas directrizes orientadoras para a grávidas, nomeadamente que as grávidas com sintomas da doença devem ter prioridade nos testes.

Resumindo, no actual estudo viu-se que os bebés recém-nascidos são susceptíveis à infecção do coronavírus SARS-CoV -2. Pelo que se verificou até agora, os seus sintomas são leves e o desfecho da doença é menos grave comparado com o dos adultos. A transmissão intra-uterina pode ter acontecido, mas ainda faltam provas directas que o comprovem. A equipa refere ainda que estes resultados podem significar que há outros casos de recém-nascidos com covid-19 ainda não identificados.

“A covid-19 é altamente contagiosa e o nosso estudo sugere que a transmissão intra-uterina não pode ser descartada, mas que o prognóstico é bom tanto para as grávidas como para os recém-nascidos”, nota Zhi-Jiang Zhang, num comunicado sobre o trabalho. Já Tobias Welte (especialista em infecções da Sociedade Europeia Respiratória) transmitiu a seguinte mensagem: “É importante proteger as mulheres grávidas e os bebés recém-nascidos contra a infecção. Também é importante que qualquer caso de covid-19 nos recém-nascidos seja detectado e tratado o mais depressa e da forma mais cuidadosa possível. Nesta fase, ainda não sabemos se há consequências a longo prazo da infecção.”

Os cientistas estão interessados em perceber como a covid-19 afecta as crianças em geral e porque parece afectá-las com menos gravidade relativamente a outros grupos etários. Num outro estudo publicado esta quarta-feira na JAMA Pediatrics acompanharam-se 365 crianças em 30 hospitais de Madrid. Ao todo, 41 delas tinham covid-19: 25 tiveram de ser hospitalizadas, quatro de ficar nos cuidados intensivos e nenhuma morreu. Com uma média de idades de um ano, algumas tiveram infecção do tracto respiratório superior (14), pneumonia viral (6), bronquiolite (5) ou crises de asma (1).

Concluiu-se então que as infecções graves podem realmente ocorrer em crianças e que pode ser preciso tratá-las nos cuidados intensivos. Num trabalho com doentes na China também já se tinha visto que apenas 21 de 731 crianças infectadas tinham tido uma forma grave da doença. Os cientistas dizem que agora é preciso mais investigação para se saber exactamente quais as características da doença nos mais novos.

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