Arcada perde parte do terreno de obra embargada na Arrábida

Filho de um antigo operário da Ponte da Arrábida viu tribunal validar usucapião de um terreno integrado em empreendimento polémico na rua do Ouro, embargado desde final de Janeiro.

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A obra na base da escarpa avançou sem que a parcela em causa (no topo, à esquerda) fosse destacada dos 10.157 mestros quadrados detidos pela Arcada Gonçalo Dias

A Arcada, proprietária do empreendimento Panorama Douro Residences, embargado desde o final de Janeiro deste ano, perdeu uma parcela do terreno, junto à Ponte da Arrábida, para um particular. António Oliveira, filho de um antigo operário que participou na construção da ponte, nos anos 60, viu o Tribunal Judicial do Porto validar a posse, por usucapião, da casa onde mora, e de uma área adjacente, totalizando cerca de 400 metros quadrados.

Os terrenos em torno da Ponte da Arrábida têm sido notícia, nos últimos anos, por casos de usucapião, e este seria apenas mais um, não fosse o caso de se perceber que, para já, é a única situação incontestável: ao contrário do caso Selminho, em que privados venderam à imobiliária da família do autarca Rui Moreira um terreno municipal que, segundo o tribunal, em primeira instância, fora indevidamente adquirido por via desta figura jurídica; e ao contrário do que se terá passado no processo relativo a uma parcela de quase 5000 metros quadrados dos terrenos públicos hoje na posse da Arcada, que um casal vendeu, na década de 90 à Imoloc, após um registo por usucapião cuja validade pode vir a ser contestada pelo Estado, via Administração do Porto do Douro e Leixões.

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Gonçalo Dias

Neste outro caso, o Tribunal deu como provado que a empresa que construiu a travessia sobre o Douro cedeu o terreno em causa ao pai de António Oliveira, operário, e que este ali permaneceu, com a família, após a conclusão da Ponte da Arrábida (inaugurada em 1963), sucedendo-lhe, no usufruto da parcela, o filho. Este, aliás, tinha já um acordo, de 2009, com os antigos donos do empreendimento Douro Residences, que lhe reconheciam o direito à parcela. Em todo o caso, o processo urbanístico foi avançando sem que a parcela em causa fosse destacada dos 10 157 metros quadrados detidos pela Arcada. Ao PÚBLICO, o antigo administrador desta empresa, Paulo Barros Vale, que é o signatário do acordo com António Oliveira, justificou a demora na cedência daquela área com “questões burocráticas”.

CGD e Câmara não sabiam do acordo

Barros Vale garante que o direito ao terreno, por parte daquele cidadão, nunca foi posto em causa – tanto que, assinala, os novos proprietários do empreendimento nem contestaram a decisão recente do tribunal. Mas o certo é que a Caixa Geral de Depósitos, entidade que financiou a operação urbanística e que ainda tem um crédito pendente, foi surpreendida com um facto que desconhecia. Durante o processo judicial, a CGD, que enquanto titular da hipoteca sobre os terrenos, era também ré, confirmou nunca ter sido informada, pelo seu cliente, da existência de qualquer acordo, de que soube, apenas em tribunal, numa primeira acção cível intentada por António Oliveira.

“Aliás, se soubesse deste compromisso, a contestante ou não teria aceite financiar a Ré Arcada nos termos em que o fez ou, no mínimo, reduziria o valor do financiamento a conceder, em função da redução de valor que o conjunto predial sofreria com o ‘destaque’ da parcela e da construção que o Autor ora reivindica”, lê-se na contestação enviada ao tribunal pelo banco público. A Caixa tentou, em todo o caso, defender o bem sobre o qual mantinha, e mantém, uma hipoteca, pedindo que a acção de António Oliveira fosse julgada improcedente pelo facto de a casa em questão não estar, alegadamente, legalizada.

Para além da Caixa, também o município não foi informado pela Arcada da existência deste acordo que amputaria o seu terreno em 400 metros quadrados. O antigo administrador da empresa garante que isso não teria implicações nenhumas no projecto que acabou por ser aprovado, e que se situa na frente inferior da escarpa, que confronta com a Rua do Ouro, pelo facto de o volume de construção total ser inferior ao máximo que ali poderia ser aceite pela Câmara. Entidade que só terá sabido da existência desta reclamação por via da advogada de António Oliveira, no momento em que a acção deu entrada em Tribunal, já em 2014.

Questionado pelo PÚBLICO, o município respondeu que “não compete à Câmara do Porto imiscuir-se neste tipo de questões, pois o facto de decorrer um processo judicial de usucapião sobre uma determinada parcela não pode influenciar directamente o processo de licenciamento de uma obra que a incluía”. A autarquia argumenta que, até esta decisão, “nem a Lei nem o Tribunal determinaram que a acção de usucapião produzisse efeitos suspensivos imediatos sobre a presunção de propriedade de que a Arcada gozava pelo facto de ter a área objecto de litigância registada em seu nome”.

Perante isto, “não poderia o Município, sob pena de usurpação de poderes, atribuir àquela acção efeitos suspensivos, que nem a Lei nem o Tribunal lhe haviam atribuído”, explica o gabinete de imprensa da Câmara do Porto, acrescentando que “todas as licenças urbanísticas são emitidas sob reserva de direitos de terceiros, pelo que a verificação da legitimidade no âmbito dos processos urbanísticos é sempre meramente formal, estando o Município limitado ao dever de verificar se o requerente apresenta documento comprovativo de que é titular de um direito que lhe permita promover a operação urbanística em causa”.

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