Theresa May calada na descida ao “inferno” de Bruxelas

Primeira-ministra britânica obrigada pelos seus parlamentares a obter concessões da UE. Líderes europeus lembram que acordo de saída não está aberto a mudanças.

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Theresa May e Juncker esta quinta-feira em Bruxelas OLIVIER HOSLET/EPA

A versão do inferno do “Brexit” para Theresa May é fria, mesmo gelada — tal como a recepção que a primeira-ministra do Reino Unido teve em Bruxelas, onde ainda ressoava o comentário do presidente do Conselho Europeu sobre o lugar especial reservado aos políticos britânicos que decidiram lançar um referendo à União Europeia e avançar com o processo de separação sem ter um plano ou uma ideia clara sobre os termos em que pretendem deixar o clube. “E continuamos sem solução à vista”, lamentou Donald Tusk, no final de mais uma reunião em que não se fizeram progressos nenhuns. “As conversações continuam”, informou.

“Primeira-ministra, isto é o inferno?”, gritavam os jornalistas britânicos que de manhã aguardavam Theresa May à entrada da reunião com a Comissão Europeia. A primeira-ministra, de cara fechada, ignorou a pergunta. E também não respondeu à avalanche de perguntas sobre a sua missão em Bruxelas. Tem novas propostas, primeira-ministra? Trouxe alguma solução específica? Tem um plano B? Acha que pode fazer mudanças ao acordo de saída?

Sem apoio político na Câmara dos Comuns para ratificar o acordo de saída que negociou com os 27 países da UE, Theresa May viajou para Bruxelas numa tentativa de obter novas concessões dos seus parceiros para a revisão do tratado jurídico de 585 páginas fechado em Novembro e endossado pelos 27 chefes de Estado e governo da UE um mês depois. A missão foi dificultada pelo comentário de Tusk na véspera. “Disse-lhe que a sua linguagem não ajudou em nada e causou profunda consternação no Reino Unido”, disse May.

Pedido caiu em saco roto

Como se previa, o seu pedido para modificações “juridicamente vinculativas” no texto do acordo de saída caiu em saco roto. “O acordo de saída, que representa um compromisso equilibrado entre as posições da União Europeia e o Reino Unido não será objecto de renegociação”, recordou o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, de acordo com o comunicado conjunto que foi divulgado no final da reunião de quase duas horas.

Há meses que os responsáveis europeus repetem essa frase, sem se desviar do guião; May não pode alegar que foi apanhada de surpresa pela posição da UE. Porém, continua a acreditar que a UE acabará por aceitar essas alterações, com base no argumento de que só assim será possível obter uma “maioria estável” na Câmara dos Comuns em favor de um “Brexit” ordenado. “Não vai ser fácil, mas o presidente Juncker e eu concordámos que vamos arranjar uma solução que nos vai permitir pisar a linha de chegada”, declarou.

Só que segundo o documento oficial do encontro na Comissão, os esforços da primeira-ministra para descrever “o contexto e a motivação da votação na Câmara dos Comuns” que a obriga a renegar os termos fixados no acordo de saída para evitar a reposição de uma fronteira física na ilha da Irlanda (uma cláusula de salvaguarda conhecida como “backstop”) voltaram a esbarrar na intransigência europeia em mexer no tratado jurídico. 

Isso não quer dizer, reiteraram os líderes na Comissão, no Parlamento Europeu (a segunda paragem de May) e no Conselho Europeu, que não aceitem fazer revisões e alterações ao outro documento que acompanha o acordo de saída: a declaração política que estabelece as bases para o relacionamento futuro entre o Reino Unido e a UE após o “Brexit”.

Juncker disse de novo à líder conservadora que os 27 estão disponíveis para “acrescentar novos parágrafos” ao texto da declaração política — que é uma manifestação de intenções e não um tratado vinculativo —, para que esta possa ser “mais ambiciosa em termos do seu conteúdo” e possa concretizar-se de forma mais expedita. Depois do almoço, o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, repetiu a mensagem. “Estamos abertos a ser mais ambiciosos, incluindo rever a situação da Irlanda, se as linhas vermelhas do Reino Unido se alterarem”, afirmou.

Como explicou o coordenador do Parlamento Europeu para o “Brexit”, Guy Verhofstadt, “se há problemas” em Londres com a eventual aplicação do modelo do backstop na Irlanda (o que, estabelece o acordo, só acontecerá se no final do período de transição o Reino Unido e a UE ainda não tiverem fechado uma nova parceria económica e política), “a melhor maneira de os resolver” é revisitando os termos da declaração política. “Desde o primeiro dia estivemos disponíveis para a tornar mais precisa e vinculativa”, garantiu o eurodeputado belga que dirige a bancada dos liberais. Mas essa abertura não resolve o dilema de Theresa May, incumbida de voltar a casa com “novas garantias jurídicas” sobre o backstop.

O porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, disse que durante o encontro com Juncker a primeira-ministra “apresentou várias opções” para responder às preocupações dos parlamentares britânicos, mas escusou-se a avançar qualquer informação sobre essas opções. Segundo Guy Verhofstadt, May assegurou ao Parlamento Europeu que nenhum acordo de saída existirá sem um backstop para a fronteira irlandesa. “Não há maneira de este ser retirado, porque é absolutamente necessário para salvaguardar o cumprimento do Acordo de Sexta-feira Santa e o processo de paz, e também o mercado interno”, recordou.

Segundo todos os envolvidos, as conversações com May, esta quinta-feira em Bruxelas, foram “intensas mas construtivas”. O objectivo de todos os interlocutores continua a ser o de “trabalhar juntos para alcançar uma saída ordenada do Reino Unido da UE”, que a líder britânica acredita ser possível na data prevista de 29 de Março, ou seja, dentro de 50 dias. Para Verhofstadt, isso exige que Theresa May aceite fazer um pacto com todas as forças políticas no Parlamento britânico, porque seria impensável assinar um acordo de saída “com base numa maioria de sete, oito ou novevotos na Câmara dos Comuns”. Para Tajani, a solução é simples: “Precisamos de falar, falar, falar.”

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