"Não foi dada a importância devida à habitação nas negociações para o OE"

A deputada Helena Roseta diz que não há nenhum drama com a sua saída da coordenação do grupo de Trabalho da Habitação, para o qual foi indicada pelo PS

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Helena Roseta: “Vou bater-me pela aprovação das propostas do Governo, como é evidente” Miguel Manso

A deputada independente do PS Helena Roseta defende que ninguém do PS se empenhou em conseguir consensos, nem o BE e PCP colocaram estas questões como tema relevante nas negociações para o Orçamento do Estado para 2019 (OE2019). E promete que a habitação vai continuar a ser a sua batalha

Porque se demitiu?
As razões são muito simples. Há um conflito entre a disciplina partidária e a minha opção de consciência. Como eu entendo que nestes casos de conflito, naturalmente devemos seguir a nossa consciência e assumir responsabilidades disso, eu segui a minha consciência dizendo que não estava de acordo, e não estou. A responsabilidade óbvia é devolver ao PS a coordenação de um grupo de trabalho para o qual foi indicada pelo PS. Parece-me elementar. Quem toma decisões deve assumir responsabilidade delas.

Porque é que tem um problema de consciência?
Não é pelo trabalho que fizemos, que foi bastante. Mas quando um processo legislativo chegou ao seu termo e não há mais mexidas a fazer, quando o PS já tinha pedido uma vez adiamento e volta a fazê-lo, sem invocar nenhum motivo concreto nem norma regimental, eu penso que este processo em última instância não é democrático. Não posso votar uma coisa que acho que viola as regras do regimento. O regimento não é um dogma. Mas as regras em democracia existem para enquadrar as decisões democráticas.

Já sabia que este pedido ia aparecer?
Sim, na semana passada tive esta conversa. Eles comunicaram a intenção de pedir o adiamento, eu expliquei que não estava de acordo. Eu sabia que eles iam fazer isto [pedir o adiamento] e eles sabiam que eu ia fazer isto [pedir a demissão]. 

O que é que sustenta o adiamento?
Explicaram que precisavam de mais tempo. Nunca disseram que era porque não tinham maioria. Mas qualquer pessoa que faz uma leitura dos acontecimentos percebe que este adiamento resulta exclusivamente de não haver maioria garantida para as propostas do Governo. E a falta dessa maioria foi por mim alertada várias vezes. Disse várias vezes esta frase, em vários momentos públicos, inclusive, que nos arriscávamos a não ver passar nada porque "estão todos contra todos".

Porque é que os alertas não foram valorizados?
Não foi dada a devida importância a esta questão. Estiveram muito envolvidos nas negociações orçamentais. Mas na discussão do orçamento não vimos nenhum dos parceiros que o vai votar a pôr as questões da habitação em cima da mesa. Ou seja, não foi central nas questões do Orçamento. Agora percebemos que a crise de habitação está instalada e que até à data não foi possível o Governo encontrar uma maioria para fazer as mudanças que tem de fazer. Tenho a maior pena disso.

O que é que o grupo parlamentar do PS devia ter feito que não fez?
Poderia ter negociado isto com tempo, quer com esquerda quer com os outros partidos. Acho que não o fez, ou se o fez não tenho conhecimento dos resultados. E poderia, sobretudo, e isso teria sido melhor ainda, quando apresentámos antes de toda a gente uma Lei de Bases da habitação (LBH), devíamos ter começado por aí. Ficaríamos com uma visão de conjunto do que é que era a política de habitação, para ir depois para as leis avulsas. A LBH foi apresentada em Abril mas nunca foi agendada. Não sendo agendada, não é discutida.

O PS optou por agendar as propostas do Governo e do PS sobre estas matérias no seio daquele pacote de 27 iniciativas, e a LBH ficou para depois. Não saberemos nunca como seria votada, mas do meu ponto de vista a discussão seria sempre mais coerente. Com leis avulsas chega-se a coisas deste género: tínhamos uma proposta que já estava muito adiantada de alteração do NRAU, e o governo não quer que se conclua sem estarem as outras porque se perde uma visão do conjunto. Isso sei eu.

E estando a direcção da bancada parlamentar do PS alertada para a sua demissão, faz alguma leitura da decisão de avançar com o adiamento?
Não faço leitura nenhuma. São opções. O grupo parlamentar tem uma direcção que toma essas opções legitimamente. Eu é que posso não concordar com elas. "Temos nas nossas mãos o terrível poder de recusar", já dizia o Miguel Torga. Eu recusei, pronto. Se calhar não é costume as coisas funcionarem assim em Portugal. Mas esta é a minha maneira de estar na política.

O que é que vai acontecer a seguir?
Não sei. Espero que o grupo parlamentar escolha outra pessoa para coordenar os trabalhos e eu espero continuar a dar o meu contributo no grupo de trabalho e na Comissão e na Comunicação Social, e em todos os encontros que promovo. Não desisto desta causa. O meu estado de espírito é de combate. Uma pessoa quando toma uma posição por questão de consciência não abandona o combate, continua, até, com mais determinação. A habitação continua a ser a minha batalha. Agora mais ainda porque o tempo ficou mais curto, e temos menos tempo para resolver isto tudo.

Qual será a sua posição face as propostas que estão em cima da mesa?
Vou bater-me pela aprovação das propostas do Governo, como é evidente. Mas também me vou bater para o Governo consiga negociar. Não se pode negociar dizendo “não cedo nada”. Alguém tem de ceder.

Onde é que o PS tem de ceder? Acabando com o Balcão Nacional de Arrendamento como queria o PCP?
É preciso negociar. O PCP não cede nas suas posições, mas há soluções. Eu tenho uma. Se a maioria de esquerda acha que os inquilinos devem ter um serviço que lhes resolva os problemas quando os senhorios não fazem obras, eu acho que Serviço de Injunções que é proposto pelo PS pode mudar. Em vez de ser um serviço para inquilinos e senhorios, passa a ser um serviço só para inquilinos e pode ser enquadrado numa proposta do PCP. Passa a haver dois serviços, um para apoio aos inquilinos outro aos senhorios. É a melhor solução? Não, não é. Mas se for a possível, eu bato-me por ela.

É possivel negociar com a direita? Qual tem sido o posicionamneto do PSD e do CDS?
Eles não queriam mudar profundamente nada, mas são os partidos que já agendaram projectos para votação na sexta-feira. Os da esquerda foram todos adiados, mas os da direita vão a votação.

Depois da demissão, recebeu algum telefonema do Governo ou dos dirigentes do PS?
Não recebi, mas também não o esperava. Limitei-me a entregar a carta de demissão, não há aqui nenhuma zanga, nenhum drama. Há um assumir a consequência dos nossos actos, coisa que em Portugal nem toda a gente faz. Mas esta decisão deu-me muita força, estou a ter muito apoio das pessoas, dos bairros, das associações, a dizerem-me “força, continue”. É isso que me interessa, foi isso que me pôs aqui. 

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