Governo quer pôr empresas a pagar o “PPR do Estado” pelos trabalhadores

Empresas poderão contribuir para o fundo dos certificados de reforma a favor dos seus trabalhadores. Medida surge dez anos depois de o "PPR do Estado" ter sido criado e tem como objectivo tornar este instrumento mais atractivo.

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Vieira da Silva, ministro da Segurança Social, foi o responsável político pela criação do regime público de capitalização há 10 anos Nuno Ferreira Santos

O Governo quer abrir o fundo dos certificados de reforma – conhecidos como “PPR do Estado” – às empresas e permitir que elas paguem as contribuições em nome dos trabalhadores, com o objectivo de tornar este mecanismo mais atractivo. A medida está prevista no projecto de decreto-lei que altera o Regime Público de Capitalização, um mecanismo criado em 2008 para permitir às pessoas fazerem uma poupança e reforçarem a sua pensão quando chegarem à reforma.

No regime em vigor, os trabalhadores podem optar por fazer descontos adicionais (além dos 11% obrigatórios) para um fundo gerido pelo Estado que vai sendo capitalizado e, no final da vida activa, pode ser resgatado. A proposta agora em cima da mesa traz uma mudança significativa e prevê que as contribuições adicionais (de 2%, 4% ou, para maiores de 50 anos, 6% do vencimento) possam ser totalmente pagas pela entidade empregadora em benefício do trabalhador. Para isso, o próprio trabalhador tem de aderir ao Regime Público de Capitalização mas, em vez de ser ele a descontar todos os meses, essa responsabilidade passa a ser assumida pela empresa.

“Volvidos dez anos desde a instituição do Regime Público de Capitalização entendeu-se introduzir a novidade de permitir que as entidades empregadoras possam contribuir para o fundo dos certificados de reforma em benefício dos trabalhadores ao seu serviço (…), tornando o regime mais atractivo e indo ao encontro da proposta efectuada pelo conselho consultivo do IGFCSS [Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social]”, lê-se na exposição de motivos do diploma.

O Governo assume também que estas alterações permitem dar aos empregadores “mais um instrumento que lhes permite assumir maior responsabilidade social em benefício dos trabalhadores ao seu serviço”.

Medida "vai no bom sentido"

Armindo Silva, economista e autor de um estudo recente sobre os desafios da Segurança Social e o sector do serviços, considera que a medida “vai no bom sentido”, mas lamenta que não vá ao encontro da principal crítica feita ao Regime Público de Capitalização: a falta de flexibilidade.

“A principal vantagem é que no pacote de benefícios que oferece ao trabalhador no momento da contratação, o empregador pode incluir este tipo de certificados. Poderá ser interessante para atrair certas categorias de trabalhadores”, reconhece.

Também o economista e professor auxiliar na Universidade Lusíada Miguel Coelho considera a medida “interessante”, mas “insuficiente”. “O Governo deverá olhar de forma muito séria e integrada para o sistema complementar, independentemente das entidades gestoras”, alerta.

“Um primeiro aspecto prende-se com a necessidade de se reforçar a atractividade fiscal. De facto, se o investimento em planos de poupança reforma ganhou contornos de hábito da classe média nos idos anos 90, impulsionado por um quadro fiscal favorável, a incerteza fiscal dos últimos anos anulou os ganhos obtidos”, destaca. E ilustra com um exemplo: um investidor com menos de 35 anos pode ter um benefício fiscal até ao limite de 400 euros, face aos 727,55 euros de 2004.

Miguel Coelho reforça ainda a necessidade de se regulamentar os “mecanismos de garantia dos regimes complementares” e de se promover uma política de educação financeira orientada para os jovens que os alerte para a necessidade de poupar para a reforma.

Falta de flexibilidade

Criado em 2008 (era ministro da Segurança Social Vieira da Silva, o actual responsável por esta pasta), o Regime Público de Capitalização tinha por objectivo “permitir a cada cidadão constituir um complemento de pensão, ou uma poupança”. 

Os dados mais recentes mostram, contudo, que objectivo não foi propriamente atingido. Em 2015, o regime tinha cerca de 7700 aderentes, e o valor acumulado na carteira de títulos não ia além dos 40 milhões de euros. 

Para Armindo Silva trata-se de um valor residual num contexto em que a poupança para a reforma apenas é preocupação de uma reduzida percentagem da população activa. E aponta vários factores que condicionam o sucesso do Regime Público de Capitalização: o facto de os trabalhadores não poderem resgatar o dinheiro antes de se reformarem ou a obrigação de se descontar um valor fixo todos os meses, sem flexibilidade negocial. “Tudo isso não tem contribuído para o reforço do sistema complementar de pensões”, lamenta.

Miguel Coelho acrescenta outras razões que podem justificar a reduzida adesão. “Em primeiro lugar, a falta de confiança no Estado, resultado eventual de algumas medidas de cortes de pensões tomadas num passado recente, parecem ter condicionado o interesse por estes produtos de poupança públicos”, frisa.

Mas aponta outros motivos como “a não portabilidade dos certificados de reforma, ao contrário do que acontece com os produtos semelhantes geridos por entidades privadas ou “a limitação das contribuições a uma pequena percentagem da remuneração que serve de referência para as contribuições obrigatórias”, assim como “a redução sistemática dos benefícios fiscais”.

Já quanto à rendibilidade, Miguel Coelho nota que “apesar de negativa em 2018, tem sido interessante ao longo dos últimos anos com valores médios de 2% a 3% ao ano, ainda que abaixo das melhores soluções oferecidas pelas entidades privadas”.

A proposta do Governo traz outras mudanças, permitindo que possam aderir ao regime as pessoas singulares abrangidos pelo seguro social voluntário. Actualmente, apenas podem aderir os trabalhadores que descontam para a Segurança Social, para a Caixa Geral de Aposentações ou para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. 

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