"Geringonça" deu lugar ao bloco central na descentralização e leis laborais

Jerónimo de Sousa e Carlos César desvalorizam impacto negativo deste desencontro da esquerda no próximo Orçamento do Estado. À direita, o CDS demarcou-se da aproximação entre PS e PSD.

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Secretário-geral da CGTP acompanhou votação da alteração às leis laborais com especial atenção LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Em mais de duas horas e meia de votações em plenário, a maioria de esquerda funcionou para muitos diplomas. Mas em duas matérias de peso, como a descentralização e as leis laborais, a "geringonça" foi substituída pelo bloco central de PSD e PS, deixando à margem as bancadas dos extremos. O PCP, com mais intensidade, mas também o CDS fizeram ouvir o seu lamento sobre a nova maioria formada. No final do plenário, o líder do PCP veio acalmar alguma inquietude que houvesse acerca do futuro próximo da "geringonça", separando as águas entre estas votações e o Orçamento do Estado. Carlos César, o líder da bancada socialista, fez outro tanto, desvalorizando a preferência conjuntural pelo PSD.

Jerónimo de Sousa lamentou a “opção triste” do PS de se juntar “à direita” nas questões laborais – que são para o PCP um combate inacabado –, em vez de “assumir um papel de esquerda”. O líder comunista não alimenta expectativas sobre qualquer rebate de consciência do PS ou do PSD na especialidade. Nem do primeiro, porque foi isto que acordou com os patrões, nem do segundo porque também “defende estas opções”. Jerónimo recusou, no entanto, qualquer retaliação dos comunistas na negociação do Orçamento do Estado (OE) de 2019. “Cada coisa no seu lugar”, garantiu.

O bloquista José Soeiro mostrou-se mais esperançado no trabalho na especialidade, momento em que o PS “terá que assumir o que quer fazer”: se prefere anular o que acordou com os patrões ou “chegar ao fim com uma maioria à direita”.

Perante os jornalistas, Carlos César enalteceu as “vitórias” do PS nas votações e disse que o Governo tem encontrado no Parlamento “condições muito favoráveis ao exercício pleno das suas competências”, não se percebendo se estava a falar destes três anos ou do apoio que recebera do PSD. Recusou ter “privilegiado” os sociais-democratas na descentralização ou ter qualquer “aproximação preferencial” com o PSD. Mas logo a seguir sentiu necessidade de afirmar a sua “confiança” na aprovação do OE2019, classificando-o como “um grande contributo que prestigiará a esquerda português e que confirmará a estabilidade do percurso”. Disse que o PS se sente bem com a “colaboração com BE, PCP e PEV”, que deseja “aprofundá-la” e que “há inúmeras áreas de governação que podem ser objecto da refundação dos acordos”.

No caso da descentralização de competências para as autarquias, PCP, BE e PEV votaram contra a proposta do Governo, e o CDS absteve-se. Na Lei das Finanças Locais, que faz parte do pacote da descentralização, os centristas juntaram-se ao PCP, BE e PEV e votaram contra a proposta do Governo, deixando à vista o bloco central.

Dentro das bancadas do PSD e do PS abriram-se algumas brechas como a votação na comissão já antecipava. O vice-presidente da bancada do PSD e ex-secretário de Estado da Administração Local António Leitão Amaro anunciou que entregará uma declaração de voto, depois de esta terça-feira ter pedido escusa na votação na especialidade da Lei das Finanças Locais por razões de “substância”, que não quis especificar. Os três deputados eleitos pela Madeira – Paulo Neves, Sara Madruga da Costa e Rubina Berardo – votaram contra. Na bancada do PS, o deputado Paulo Trigo Pereira votou contra a proposta do Governo das Finanças Locais, apresentando uma declaração de voto muito violenta contra o diploma. A socialista Helena Roseta absteve-se.

A nova maioria ao centro formada para a descentralização resulta de um acordo feito por Rui Rio com o Governo de António Costa em Abril passado. No caso das leis laborais, o PSD deu a mão aos socialistas na votação na generalidade – em virtude de resultar de um acordo de concertação social –, mas deixa avisos sobre eventuais alterações profundas na especialidade.  

Em plenário, a deputada comunista Paula Santos fez duras críticas ao bloco central, não só sobre o teor das propostas da descentralização, mas também sobre o processo legislativo. “PS e PSD impuseram uma votação quando não estavam reunidas as condições para a votação. Avançar desta forma só envergonha PS e PSD”, apontou. A deputada dirigiu-se à bancada "laranja". “O PSD vendeu-se a este acordo por 0,25% do IVA em 2021”, atacou, gerando protestos entre os sociais-democratas.

À margem do bloco central, o CDS acusou o Governo de “irresponsabilidade” perante o que está “a ser aprovado no Parlamento”. Mas acabou por criticar também o antigo parceiro de coligação. “PS e PSD passam esse cheque em branco ao Governo”, afirmou a vice-presidente da bancada Cecília Meireles, considerando que o Parlamento aprovou a Lei das Finanças Locais “às três pancadas”. A deputada lembrou as críticas de “autarcas do PS e PSD” sobre este processo, “dizendo até que as câmaras se transformarão em tarefeiros da administração central”.

Pelo BE, João Vasconcelos também registou o bloco central que se formou para aprovar a reforma da descentralização, referindo que as “autarquias não vão ter capacidade financeira” à luz da Lei das Finanças Locais.

Em defesa da posição do PSD, Berta Cabral lembrou que foi o Governo PSD/CDS que iniciou a reforma da descentralização através de projectos-piloto e justificou a viabilização do pacote em nome do “interesse nacional”. Pelo PS, Susana Amador disse ser “um dia muito importante” pela aprovação desta reforma, que é “estruturante” para as populações e que “teve a adesão” da associação dos municípios e das freguesias. “Vimos aprovada uma mudança de paradigma”, afirmou.

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